sábado, 17 de junho de 2017

FACÇÕES AVANÇAM PELO RS



ZERO HORA 17 de junho de 2017 | N° 18874



EDUARDO TORRES


SEGURANÇA JÁ

ARTICULADOS A PARTIR de presídios, criminosos que espalham terror pela Região Metropolitana estão expandindo sua influência pelo Interior. Em busca de vantagens no mundo do crime, estão fatiando o Estado



Só há um muro na rua de casas simples, piso de paralelepípedos, típica do interior, no bairro Madre Tereza, em Santo Antônio da Patrulha. É a parede lateral do salão de uma igreja. Pois foi ali que a chegada das facções criminosas deixou sua marca. Em tinta azul: “14-18-12”, marca dos Manos, com referência a artigos da antiga lei de drogas. Abaixo, em preto: “BNC”, iniciais de Bala na Cara.

Desde o começo do ano, este é um ponto sob disputa dos dois principais grupos criminosos originários da Região Metropolitana. A algumas quadras da pichação, Pedro Conceição, 19 anos, e o sobrinho João Pedro Conceição, quatro anos, foram executados em um ataque contra a casa de madeira da família em 29 de maio. Noventa e três cápsulas deflagradas foram recolhidas. O tio, de 55 anos, que estava junto, não sabe explicar exatamente o que aconteceu. Desde aquela noite, não consegue dormir. A família assistia a um filme quando criminosos invadiram a casa e abriram fogo:

– Me joguei no chão e rezei. Foi o que deu para fazer naquela hora – conta.

Conforme o delegado Valdernei Tonete, as vítimas não eram os alvos do bando. Pedro não tinha envolvimento com a criminalidade. A vida dele, segundo o tio, era dedicada a cuidar de cavalos e galinhas que ficaram no pátio da casa. As mortes engrossaram uma conta macabra no município de 43 mil habitantes: nove pessoas já foram assassinadas neste ano. É o mesmo número registrado em todo o ano passado. A mãe e os oito irmãos de Pedro, entre eles a mãe de João Pedro, foram embora da cidade.

– Está todo mundo apavorado porque poderiam ter atirado em qualquer casa. Moro há 20 anos aqui e nunca vivi nada parecido – diz uma moradora de 44 anos, que pede para não ser identificada.

Santo Antônio da Patrulha é o palco mais recente de um novo estilo de avanço da criminalidade pelo Estado. Desde o ano passado os homicídios saltaram no Litoral Norte, sobretudo em Capão da Canoa, que teve aumento de 66% nos assassinatos no primeiro trimestre deste ano. Os Bala na Cara e Os Manos disputam entre si o controle e fatiam o Rio Grande do Sul. Em pelo menos sete regiões, fora da Metropolitana, há relatos da presença deles.

Com 13 mil habitantes, Santo Augusto, no Noroeste, vive em pânico depois de uma investida com tiros a esmo que resultaram na morte de um idoso de 69 anos sem envolvimento com a criminalidade. Os homicídios saltaram 60% na região em relação aos cinco primeiros meses de 2016. No Sul, São José do Norte já perdeu 13 jovens na disputa este ano. É quase o triplo de todo 2016. Nos vales do Taquari e Rio Pardo, elas já interferem no mercado de cigarros.

MAIS DE 15 AÇÕES DE PRESOS SEORGANIZANDO JÁ FORAM DETECTADAS

A situação se agravou no início deste ano a partir de uma espécie de “doutrinação” de criminosos próprios de cada região depois de presos e em contato com líderes da Região Metropolitana. O objetivo vai além da possibilidade de exclusividade na venda de drogas em uma determinada área. Os tentáculos das facções criam cadeias de comércio ilegal e controle de rotas de drogas e armas no Estado. E quando encontram regiões fragilizadas pela falta de policiais nas ruas, a criminalidade dispara. Na Região Noroeste, o roubo de veículos aumentou 166% no primeiro trimestre deste ano em relação a 2016.

Articuladas a partir dos presídios, as facções têm na superlotação do sistema o combustível ideal para arregimentar mais integrantes. Este é um dos motivos para o avanço no Litoral Norte. Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a Penitenciária Modulada de Osório – única casa prisional na região – está com ocupação 120% acima da capacidade: tem vaga para 800 e está com 1.758 presos.

Para as facções, a vantagem de ter aliados no Litoral é tanto logística – para eventuais fugas – quanto comercial, já que o fornecimento da droga é feito a partir da base da facção. Aos traficantes locais, a sociedade é a garantia de segurança para manter seus pontos. De acordo com o diretor de Polícia do Interior, delegado Fernando Sodré, a presença de facções cada vez em mais regiões do Estado é a maior preocupação atual do departamento. O foco é detectar as fontes de lucratividade e descapitalizar os grupos criminosos com ações contra a lavagem de dinheiro, por exemplo. Mas, admite, é insuficiente:

– A articulação acontece nas cadeias. Tanto com presos do Interior levados à Região Metropolitana, quanto o contrário. A prioridade de qualquer ação pública hoje tem de estar centrada em assumir o controle do sistema prisional. Com as cadeias lotadas, fica quase impossível separar o joio do trigo.

O diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, admite que a superlotação é um fator facilitador. Números da superintendência apontam cadeias lotadas em todas as regiões onde foram detectadas movimentações.

– Todo e qualquer grupo nas nossas prisões está mapeado. É um trabalho permanente do nosso serviço de inteligência e de troca de informações com a Brigada Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e até a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – detalha.

Segundo ele, mais de 15 ações de facções se organizando no Interior já foram detectadas e sufocadas. Para o sociólogo Juan Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da UFRGS, o fenômeno atual começou a ser gerado quando o crime chegou ao Interior. A dependência da estrutura das grandes facções, agora, é consequência quase natural.

– Nesse momento as facções estão no seu apogeu, têm mais dinheiro e buscam lucro. Não são os criminosos daqui que vão para lá, mas eles que exercem a influência e garantem a dependência das demais regiões de toda a estrutura que criaram – explica.

O Estado precisa agir, aponta o especialista, para evitar que as facções se perpetuem:

– A facção se fortalece do esgotamento da reserva moral de uma comunidade, temos visto isso nas periferias de Porto Alegre e nos presídios superlotados, onde exercem controle total. Comunidades empobrecidas, sem assistência plena do Estado se tornam terrenos férteis para a estrutura criminosa.



COMO BARRAR O AVANÇO

-Novos presídios: a principal fonte de disseminação das facções para o Interior está nos presídios. A organização dos grupos criminosos é facilitada pela superlotação e ausência de estrutura alternativa nas cadeias. No último dia 12, o governo estadual anunciou a construção de três novos, em Viamão, Alegrete e Charqueadas. De acordo com o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, o objetivo é que as novas casas prisionais, com capacidade para 924 presos, sigam o modelo já adotado na Penitenciária Estadual de Canoas. Lá, o preso usa uniforme, estuda, trabalha e tem direito a visita diferenciada. Não tem superlotação o que, de acordo com Carneiro, facilita o acompanhamento do tratamento penal de cada preso.

-Isolamento de lideranças: a estratégia adotada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) para barrar a guerra de facções na Região Metropolitana foi a transferência cada vez mais frequente de líderes dos grupos para penitenciárias federais. A construção de um presídio nesses moldes no Estado aumentará o poder de barganha para o envio de mais presos a serem isolados fora do Rio Grande do Sul.

-PMs nas ruas: o crescimento das facções criminosas em regiões como a Noroeste encontra um agravante perigoso. Alguns dos municípios afetados pelo problema sequer contam com policiamento ostensivo suficiente. No mês passado, o governo estadual anunciou que nenhum município do RS terá menos que três policiais militares em serviço a partir deste mês. A meta é, a partir do final do ano, aumentar este número para cinco brigadianos.

-Regionalização: as apurações policiais sobre o avanço das facções levaram o Departamento de Polícia do Interior a criar grupos regionais de investigação específicos. A intenção, de acordo com o delegado Fernando Sodré, é otimizar esforços entre os diversos municípios de cada região e detectar toda a rede formada pelos grupos criminosos, ao invés de investigar isoladamente.

-Parcerias: ação considerada exemplar na tentativa de frear o avanço das facções, a Operação Serrania, desencadeada no Presídio Estadual de Caxias do Sul foi conjunta entre a Polícia Civil, Ministério Público, Brigada Militar e Susepe. Nas áreas de fronteiras, a parceria dos órgãos estaduais se dá com a Polícia Federal. E em áreas como os vales do Taquari e Rio Pardo, a Polícia Civil e a Brigada Militar atuam com a Polícia Rodoviária Federal para tentar coibir o contrabando que municia traficantes locais.


A guerra invadiu o cenário interiorano



Passava do meio-dia de segunda-feira, 24 de abril, quando três homens armados com pistolas 9mm desembarcaram de uma caminhonete em uma das ruas de chão batido do bairro Getúlio Vargas, próximo à área central de Santo Augusto, na Região Noroeste. Dispararam dezenas de vezes contra quem estava na frente de uma das casas de madeira. Mataram Irineu Camargo, 69 anos, um dos mais conhecidos moradores da cidade, famoso pelos salames que a família produz. Deixaram feridos ainda a mulher dele e o filho, de 33 anos, conhecido como Pelezinho no futebol amador local, e que hoje vive o drama de perder os movimentos de uma das mãos. Eles não eram o alvo dos bandidos. E sim um vizinho, que tomava chimarrão com Irineu naquele momento.

– Ninguém consegue esquecer. Todo mundo caminha na rua olhando para os lados, cuidando os movimentos. Nunca se sabe quando uma desgraça pode acontecer de novo – conta uma moradora de 27 anos, que prefere não ser identificada, por medo de represálias.

Recentemente, moradores perceberam a movimentação de duas caminhonetes com placas da Região Metropolitana e acionaram a Brigada Militar. Os policiais logo chamaram reforço regional e, em alguns minutos, todos no município percebiam as viaturas por todos os lados. Era alarme falso. O susto foi porque os atiradores que mataram Camargo eram de Novo Hamburgo e agiram, segundo o delegado Gustavo Fleury, a mando de um traficante local, atualmente foragido.

A Região Noroeste virou ponto estratégico para a facção Os Manos. O grupo fornece, da Região Metropolitana, crack e cocaína para abastecer o tráfico local. Em troca, recebe maconha que é trazida da fronteira local com a Argentina. Para adquirir a droga no lado estrangeiro, são comuns as trocas por motos roubadas no lado brasileiro. Os roubos de veículos aumentaram 166% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado no Noroeste. De acordo com o delegado que investiga o caso, o estopim para a tentativa de matar o vizinho de Irineu Camargo em Santo Augusto foi justamente uma moto roubada.


Região era investimento da facção


No começo do ano passado, temendo uma consequência trágica, a mãe do adolescente Luís Ricardo Rodrigues da Silva, 16 anos, retirou-o da Região Metropolitana, onde o envolvimento com uma facção criminosa tornou o seu destino muito arriscado. Mandou o rapaz para Santa Maria, na Região Central.

No dia 1º de junho de 2016, o adolescente foi executado no bairro Itararé. O inquérito ainda não foi encaminhado à Justiça, mas a Delegacia de Homicídios local já teria identificado a autoria. A suspeita é de que ele tenha sido morto a mando dos Bala na Cara.

Há pelo menos dois anos a polícia tenta barrar o fortalecimento do grupo na cidade. Mesmo assim, o bando conseguiu se estabelecer sobretudo na região oeste de Santa Maria, reduto de um traficante. No primeiro trimestre deste ano, 13 pessoas foram assassinadas. Uma estatística que vem se mantendo nos últimos três anos, mas com uma característica peculiar.

– Nos crimes relacionados à facção, notamos que os atiradores geralmente vêm de outros lugares, a mando e orientados por criminosos locais – explica o delegado Gabriel Zanella, da Delegacia de Homicídios de Santa Maria.

Outro sinal da presença do crime organizado na cidade, de acordo com o titular da Delegacia de Furtos, Roubos e Capturas de Santa Maria, delegado Sandro Meinerz, é a alta nas apreensões de maconha. Neste ano, 250kg da droga foram apreendidos só pela Polícia Civil. Nos últimos cinco anos, foram duas toneladas.

– Quando deflagramos a Operação Palco, em 2015, havia um plano bastante ousado de investimento da facção nessa região. Tentaram se estabelecer no Beco da Tela, que não é muito distante do centro da cidade. Despejariam drogas e colocariam integrantes da Região Metropolitana para tomar o controle dos pontos – relata.

Por trás do financiamento estava o assaltante José Carlos dos Santos, o Seco, vinculado aos Bala na Cara, que teria conhecido o traficante local, em Charqueadas. A partir de lá, comandavam a tomada da cidade na Região Central.

– Eles não conseguiram cumprir o plano que tinham, de dominar toda a região e controlar diversas áreas da cidade. Mas na mais empobrecida de Santa Maria, exercem poder. Tudo isso alimentado pelo que atraía o investimento do Seco: o potencial de consumo de maconha da cidade – explica o delegado.


O maior contragolpe contra o crime


Em abril deste ano, uma ação conjunta entre Polícia Civil, Ministério Público e Susepe transferiu 13 líderes do tráfico do presídio de Caxias do Sul para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). A ação, denominada Serrania, de acordo com o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, é considerada o modelo ideal adotado atualmente para barrar o avanço das facções criminosas no Interior.

– Detectamos na Serra e em outras regiões uma facção que estava criando ramificações importantes a partir dos presídios. Agimos diretamente no foco do problema, tirando as lideranças do meio das massas. Hoje, na Pasc, eu asseguro que é possível isolar os presos e desarticular essas associações – destaca.

A Serra concentra um dos braços mais independentes da facção Os Manos. A investigação constatou que as lideranças haviam se unido e tomavam o controle tanto da cadeia quanto das ruas. Essa facção seria um dos motivos para a explosão dos homicídios em Caxias do Sul no ano passado, quando 150 pessoas foram assassinadas na cidade.

Agora, porém, a polícia investiga a possibilidade de consequências nas ruas da ação de abril. No último final de semana, quatro pessoas foram vítimas de uma chacina em uma casa que era usada como ponto de tráfico de drogas no bairro Pioneiro. Uma das linhas de investigação apura a possibilidade de criminosos ligados aos Bala na Cara terem executado o crime para tentar tomar o ponto dos rivais.

– Comprovando o aporte de mais uma facção criminosa e em disputa pelo mercado, nós alcançamos o mesmo patamar da Região Metropolitana. Precisamos nos preparar para este tipo de investigação, não somente do tráfico de drogas isolado, mas também quanto ao modo de ação destas facções – alerta o delegado Rodrigo Kegler Duarte, da Delegacia de Homicídios de Caxias do Sul.

Outra linha de investigação demonstraria que a ação de abril foi insuficiente para desarticular a facção. Seria uma represália do grupo contra traficantes locais que, na ausência dos líderes, teriam passado a traficar de maneira independente. Neste ano, Caxias do Sul já registrou 53 assassinatos.


Bando “exporta” o seu estilo


Aconteceu na saída da Rodoviária de Porto Alegre um dos capítulos da disputa de controle orquestrada por uma facção criminosa em São Borja, na Fronteira Oeste, em novembro passado. Bruno Dornelles Ribeiro, 24 anos, que fugia da cidade, acabou morto a tiros logo depois de desembarcar na Capital.

Conforme a apuração da Polícia Civil, o atirador era de Canoas e foi contratado a partir da cadeia, em Uruguaiana. Dias depois, o cunhado de Bruno, Pedro Antônio Martins Pereira, o Dóia, 45 anos, também foi executado, mas em São Borja. Era a eliminação de um foco de resistência aos Bala na Cara que persistia na região.

– São dois grupos que travavam uma guerra pelo controle do tráfico em uma parte da cidade junto ao porto. Não temos nenhuma investigação que demonstre até agora uma articulação mais organizada da facção criminosa para o uso do porto, apesar de encontrarmos muitas pistolas argentinas nas ruas – aponta o delegado Marcos Vianna.

A guerra de São Borja é muito semelhante às provocadas em áreas da Capital onde os Bala na Cara iniciaram sua atuação. Geralmente, um gerente do tráfico local é municiado para tomar o controle da quadrilha e passar a traficar com a facção. Neste caso, a polícia acredita que a ordem para as mortes tenha partido de um traficante da região, um dos gerentes nos pontos de tráfico mantidos em São Borja. Preso, passou um período em Charqueadas e voltou de lá como integrante da facção. Atualmente está preso em Uruguaiana.

Uma das suspeitas da polícia é de que o controle dos Bala na Cara em São Borja seja uma alternativa ao que já foi constatado em outras investigações com relação a Santana do Livramento, onde um criminoso preso na Região Metropolitana exercia o controle da entrada de armas no Estado em nome da facção.


O medo nas ruas


– É perturbador chegar ao local onde está um corpo e saber que conhecia aquele guri. Saber que ele morreu daquela forma violenta. A gente não quer se envolver, mas como chegamos quase na hora do crime, é difícil não ouvir alguma coisa, saber como aconteceu. Isso é muito ruim. Mudou muito a nossa rotina.

Quem conta a mudança é um dos funcionários da funerária de São José do Norte, na Região Sul, pedindo para não ser identificado. O município de 27 mil habitantes vive dias de tensão desde o começo do ano. Em apenas quatro meses, 14 pessoas foram assassinadas – 13, conforme a Polícia Civil, por crimes decorrentes da disputa entre facções. É quase o triplo de todos os homicídios registrados em 2016 no município.

A prefeitura chegou a decretar situação de emergência. Dois policiais reforçaram a equipe da delegacia local e a Brigada Militar fez algumas ações com o Pelotão de Operações Especiais (POE), de Rio Grande. Desde o mês passado não houve novos homicídios, mas quem disse que o medo diminuiu?

– Tivemos uma tentativa de homicídio da forma como a população mais teme. Foi uma senhora atingida nas pernas quando andava pela rua no momento em que um homem atirava contra outro. Isso assusta ainda mais as pessoas – aponta o delegado Ronaldo Coelho.

São José do Norte tornou-se este ano um último ponto sob disputa na Região Sul. Em plena expansão, um grupo criminoso de Rio Grande, ligado à facção Os Manos, teria financiado jovens traficantes locais para controlar a cidade. Isso acabou afugentando os rivais, que teriam recebido amparo dos Bala na Cara para tentar retomar os pontos.

Conforme a polícia, um traficante atualmente preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) conseguiu arregimentar um pequeno império. Tem controle absoluto na prisão e nas ruas de Rio Grande e aliou-se ao grupo local conhecido como Os Tauras, de Pelotas, para também ter influência na outra grande cidade da região.

A área concentra uma rota importante para a entrada de armas no Estado. A negociação com a facção na Região Metropolitana incluiria, conforme apontou mais de uma investigação policial do Vale do Sinos, o envio de carros roubados para o Sul, como moeda de troca por armas do Uruguai.


Cigarros contrabandeados viram “moeda”


A região produtora de fumo foi atingida diretamente pelo avanço das facções criminosas. Uma ação que até agora, porém, é observada nas ruas, comentada entre os moradores e a polícia, mas sem se transformar em denúncia. Traficantes estariam obrigando os pequenos comerciantes de bairros periféricos de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Lajeado, principalmente, a vender somente cigarros de uma marca específica, trazida em contrabando do Paraguai. Nas ruas, além da tradicional assinatura da facção Os Manos nos muros, encontra-se o logotipo “Grupo R7 filter cigarretes”, para marcar o território.

– Temos muitas informações de comerciantes coagidos a vender somente estes cigarros. Por outro lado, usuários de drogas também teriam a ordem nos pontos de tráfico para só fumar estes cigarros. A situação que constatamos na região é de que, quem não se enquadra nas regras da facção, sofre as retaliações. Já temos uma alta de 20% nos homicídios este ano – aponta o delegado Juliano Stobbe, de Lajeado.

Segundo Stobbe, o fato de a região ter uma economia pujante é atrativo para a facção da Região Metropolitana.

– Sabidamente, aqui está um mercado consumidor de cocaína – aponta.

O uso dos cigarros contrabandeados, vendidos quase à metade do preço dos cigarros legais, é a novidade. A polícia ainda investiga a situação, com o auxílio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mas a suspeita é de que o fomento ao contrabando seja a forma de capitalizar os traficantes locais.

– A região fica no caminho para a Região Metropolitana pela BR-386. É a principal rota da droga e do contrabando do Paraguai. É bem provável que a facção esteja usando isso como forma de fazer caixa e garantir o controle desse ponto estratégico – explica o delegado.

A presença dos logotipos pela região começou a ser percebida no início deste ano. Desde então, pelo menos duas apreensões dos cigarros já foram feitas.


Bando domina cidade e explode três bancos


MARCELO KERVALT - 
* Colaboraram Vanessa Kannenberg e Vitor Rosa
ENCRUZILHADA DO SUL, no Vale do Rio Pardo, foi alvo de ladrões fortemente armados na sexta-feira. Grupo chegou a levar reféns, liberados pouco depois

Atordoada. Assim estava, na sexta-feira, Encruzilhada do Sul, cidade de 25,8 mil habitantes no Vale do Rio Pardo. Com a rotina completamente modificada pelas explosões em sequência de três agências bancárias, a comunidade varou a madrugada acompanhando a movimentação policial em busca do bando que aterrorizou o município e que, possivelmente, era comandado por Ivo Francisco dos Santos Assis, um dos mais procurados assaltantes de bancos do Rio Grande do Sul (leia ao lado).

A primeira agência atacada foi a do Sicredi, por volta de 0h30min. Em cima, mora a família do autônomo Ramiro Hopp, 30 anos:

– Quando começaram as explosões, achamos que eram foguetes. Assim que percebemos que eram tiros e explosivos, nos escondemos no quarto mais afastado dos caixas eletrônicos e lá ficamos, abaixados. Parecia que nunca ia parar. Ficaram aqui uma eternidade.

O bando, com cerca de 10 ladrões, todos vestindo roupas camufladas, coletes balísticos e toucas-ninjas, foi rendendo quem estava na rua e posicionando-os em trios ou duplas nas esquinas, formando diversos escudos humanos. Um grupo maior de reféns, obrigado a permanecer de mãos dadas, foi colocado de costas para as agências, dando proteção a quem implantava as dinamites.

Filipe Fonseca Soares, 25 anos, passeava de carro com dois amigos quando foi abordado pelo homem que seria o líder do ataque. O criminoso atirou contra o carro do bombeiro civil, furando o pneu e travando o veículo imediatamente.

– Pediu que a gente trocasse o pneu, mas quando viu um vazamento e que o carro não andava, mandou a gente ir para a frente do Sicredi – relata Soares.

ESCUDO HUMANO CONDUZIDO DE AGÊNCIA EM AGÊNCIA


Exaltado, esse assaltante gritava com os reféns, atirava para o alto e para o chão e apontava a arma para as pessoas. Estojos de fuzis calibres 556 e .30 foram encontrados no chão. Após o primeiro ataque, os criminosos conduziram os moradores até o Banco do Brasil e, repetindo o procedimento, chegaram ao Banrisul – as três agências ficam na mesma rua, a 500 metros uma da outra.

A ginecologista e obstetra Débora Clasen dos Santos, 34 anos, ia ao hospital da cidade quando estranhou ao ver, na quadra do Banrisul, pessoas caminhando de mãos dadas. Tão logo parou o carro, foi rendida e teve de se juntar ao grupo.

– Só pensava em sair dali. Torcia para que meu marido não fosse me procurar, que ninguém fosse morto.

Neste ponto, o líder parecia mais calmo. Perguntava sobre o efetivo da polícia na cidade e a existência de joalherias e dava dicas aos reféns mais próximos dos explosivos.

– Tapem os ouvidos, vai doer. Já sou meio louco, não preciso tapar – teria dito o ladrão acrescentando, em outro momento, um desabafo – O governo rouba lá, e nós aqui.

MESMO COM BARREIRAS E REFORÇO, NINGUÉM FOI PRESO


Antes de sair, os bandidos colocaram uma mulher sentada na janela do motorista de um I30, e a obstetra, na do carona. Com as pernas dentro do carro, ocupado por três criminosos, elas ficaram com as costas e a cabeça para a rua. Em um Corsa, roubado de um taxista, ficou outra mulher. Os dois veículos foram encontrados por volta de meio-dia na localidade de Cerro da Vigia, a 5 km do centro, em direção a Dom Feliciano. As três reféns foram libertadas dois quilômetros antes.

– Foi apavorante. Eles não falavam nada, mas eu estava com medo de cair – contou Débora.

O reforço de 30 brigadianos permitiu que barreiras fossem montadas nas saídas da cidade, mas ninguém foi preso. Por volta das 17h30min de sexta, o Grupamento de Ações Táticas Especiais (Gate) chegou para analisar uma possível dinamite que não havia explodido no Banco do Brasil. Ao todo, três caixas eletrônicos da instituição federal, dois do Sicredi e quatro do Banrisul foram arrombados. A quantia levada não foi informada.

O subcomandante da BM de Rio Pardo, que atende Encruzilhada do Sul, capitão Sílvio Silva, resumiu a impotência dos brigadianos da cidade ante o poder do bando:

– Os policiais ficaram no batalhão esperando reforço. Se fossem lá, seriam metralhados.



Suspeitos são investigados por outros cinco ataques




O bando que explodiu três agências bancárias em Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, na sexta- feira, é velho conhecido da Polícia Civil. Conforme a Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o grupo está envolvido em pelo menos outros cinco ataques no Rio Grande do Sul.

Os crimes investigados ocorreram nas cidades de Progresso, Pouso Novo, Boqueirão do Leão, Espumoso e Boa Vista do Buricá. Outros seis ataques semelhantes, em outros municípios, são apurados pelo Deic, mas não há a confirmação de que tenham sido cometidos pelos mesmos assaltantes. Pontos comuns são a violência e o uso de explosivos para arrebentar terminais eletrônicos.

Em todos os casos, segundo a investigação, as ofensivas teriam sido coordenadas por Ivo Francisco dos Santos Assis, o Ganso Baio, procurado desde 2012. Ele é condenado por roubo a banco em Carlos Barbosa, na Serra, no mesmo ano, e tem mandado de prisão em aberto por um crime em São Sepé. Soma penas que passam de 28 anos.

– Todos os ataques guardam a mesma característica, que partem da cabeça deste suspeito. Ele faz as execuções dos crimes, com domínio de uso de explosivos, armas longas e número grande de comparsas – diz o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Roubos.

Um dos bandidos mais procurados do Estado, Assis troca de endereço com frequência, o que, segundo Wagner, dificulta o trabalho da polícia:

– Ele costuma alternar bastante a região em que mora e ataca. Por vezes, vem na Região Metropolitana, mas age no Sul, Centro, Norte. Conhece muito o Interior.



Adolescente é morto a tiros por cadeirante dentro de hospital



Um adolescente identificado como Igor Soares Alves, 17 anos, foi morto a tiros dentro da Santa Casa de Caridade de Dom Pedrito por volta das 7h20min de sexta- feira. Ele acompanhava o avô, que está internado no hospital, e, armado com uma faca, teria entrado em outro quarto para acertar contas com um rapaz que havia entrado ferido a facadas depois de briga em uma festa na cidade.

De acordo com a apuração da Delegacia de Polícia de Dom Pedrito, no quarto estavam, além do rapaz esfaqueado e da namorada que o acompanhava, um cadeirante de 24 anos, identificado como Maicon Cunha Carvalho, com diversos antecedentes criminais por tentativas de homicídio, porte de arma e ameaça, além de um homem internado em estado grave. Foi ali dentro que os tiros contra Igor teriam sido disparados, depois de uma discussão.

ASSASSINO ACABOU DETIDO EM FLAGRANTE

O desafeto dele e a namorada escaparam enquanto o cadeirante atirava. Depois de atingir o ombro do adolescente, Carvalho ainda teria se movimentado com a cadeira de rodas até o corredor e interceptado a fuga de Alves, atingindo-o com disparo no peito, fatal. Cerca de cinco minutos depois, a Brigada Militar (BM) chegou ao hospital e prendeu o atirador em flagrante.

Conforme a polícia, Alves cumpria pena socioeducativa em Santa Maria e estava em visita à família em Dom Pedrito. Carvalho estava internado por complicações de saúde. Ele perdeu o movimento das pernas após ser baleado, justamente por um tio do adolescente, há cerca de uma década. A investigação acredita que o cadeirante aproveitou a oportunidade para se vingar. Teria entrado no hospital com a arma, um revólver calibre 32, escondido na cadeira de rodas.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As "formas de barrar as facções - Novos presídios, Isolamento de lideranças, PMs nas ruas, Regionalização das apurações policiais e as Parcerias" - contemplam apenas uma parte das estratégias, insuficiente para punir o crime e barrar as facções. O Estado Democrático de Direito exige a força da Lei e da Justiça onde as forças policiais e a execução penal são partes de um sistema de justiça criminal que precisa ser presente, ágil, coativo e responsável. No Brasil, o crime é alimentado por leis obscuras e permissivas, justiça leniente e lerda, penas brandas, fronteiras porosas e despoliciadas, polícias mal pagas e sucateadas, e execução penal desumana, irresponsável e negligente na finalidade da pena e nos objetivos da execução. Sem a força da lei e da justiça para coibir e dissuadir o crime e sem uma execução penal humana e responsável que atenda a finalidade da pena e os objetivos da execução, as facções NÃO serão detidas.









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domingo, 30 de abril de 2017

A OUSADIA DO IMPERIO PCC

REVISTA ISTO É Edição 28.04.2017 nº 2472
O maior assalto da história do Paraguai é uma amostra dos métodos que a facção criminosa pretende usar para abastecer seus cofres, dominar o tráfico de drogas e consolidar o poder na América do Sul




MEGA-ASSALTO Explosões, troca de tiros e veículos queimados marcaram o maior roubo a banco da história do Paraguai: a ação foi orquestrada pelo PCC (Crédito: Christian Rizzi/Xinhua/Zuma Wire/Fotoarena)


Fabíola Perez 28.04.17 - 18h00 


O roubo de US$ 11,7 milhões da transportadora de valores Prosegur na madrugada da segunda-feira 
24, em Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil, é considerado o maior assalto da história do Paraguai. E foi uma ação de brasileiros. “Temos indícios suficientes para atribuir o crime ao PCC”, disse à ISTOÉ Denise Duarte, fiscal do Ministério Público e responsável pelas investigações naquele país. O Primeiro Comando da Capital, facção criminosa nascida em São Paulo, avança com ímpeto irrefreável por todo o território nacional e países vizinhos. Ataques a bancos, carros fortes e transportadoras de valores têm crescido nos últimos dois anos para abastecer o caixa da organização. “O emprego dos explosivos, a maneira como foi planejado o assalto e o apoio logístico é muito parecido com o que ocorre no Brasil”, afirma Lincoln Gakiya, promotor de Justiça que investiga a facção. O assalto cinematográfico, contudo, envolve um aspecto adicional: a organização atua para consolidar sua presença em uma região importante da América Latina para o tráfico de drogas.

O crime foi planejado com um mês de antecedência e se desenrolou como um filme de ação. Os criminosos haviam alugado uma casa no bairro San José, a dois quilômetros da sede da Prosegur. Na noite do domingo 23, mascarados queimaram veículos e caminhões com o intuito de dificultar a aproximação de policiais da sede da companhia. Seis bombas foram lançadas contra paredes blindadas e tiros de fuzis foram disparados nas ruas. Entre os armamentos, foi encontrada uma metralhadora calibre .50, que nem as polícias brasileiras e paraguaias costumam utilizar. Quando a troca de tiros começou, muitos homens fugiram rumo à fronteira do Brasil pela rodovia Supercarretera. Depois, na região do Lago Itaipu, os assaltantes usaram dois barcos para chegar ao Paraná. Isso porque, segundo policiais militares, essa é uma rota com menos fiscalização do que o caminho pela Ponte da Amizade.


Resgate de Marcola

As investigações identificaram dois suspeitos integrantes do PCC. Um deles é Dyego Santos Silva, morto durante confronto com a polícia. Conhecido como Coringa, ele pertencia à alta cúpula da facção e seria o responsável por ações realizadas fora dos presídios. “Para estar na região da fronteira, ele teria de contar com a anuência da cúpula e de Gegê do Mangue, um dos maiores nomes da hierarquia que está foragido nos países vizinhos”, diz Marcos Antonio Brites, agente da Polícia Federal do Brasil no Paraguai. Outro suspeito, José Roberto, é fugitivo da Penitenciária Estadual de Piraquara do Paraná. Foragido desde janeiro, ele também integra o PCC e foi condenado a 31 anos e quatro meses de prisão por tráfico de drogas, associação criminosa e uso de documento falso. Durante a troca de tiros com policiais federais brasileiros em Foz do Iguaçu, ele foi preso novamente. As autoridades acreditam que ambos faziam parte do grupo que também planejava resgatar o líder do PCC Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e outros 12 integrantes da facção. A estratégia seria a mesma utilizada nos roubos a bancos: os acessos aos presídios seriam cercados e vigiados por homens armados e os portões derrubados por explosivos.

CÚPULA Foragido, o número dois na hierarquia do PCC, Gegê do Mangue, é um dos líderes que atua na fronteira do Brasil com o Paraguai: a região é estratégica para a hegemonia no continente (Crédito:Kiko Sierich / FuturaPress)

“Para sustentar os planos de expansão nacional e internacional, a facção precisa de uma forma de fomento. Como tem aumentado o número de integrantes, é necessário mais dinheiro para o planejamento das ações”, diz Gakiya. Em ações como essas, uma parte do lucro é destinada ao cofre da organização, outra parcela abastece o narcotráfico e o restante é usado para a aquisição de armamentos. Uma das consequências da prática do roubo às instituições financeiras se proliferar é que a necessidade de lavar dinheiro também aumente. “Isso pode ampliar negócios nacionais e internacionais e então, de fato, o PCC se tornaria uma organização mafiosa”, afirma. Desde junho do ano passado, os ataques do PCC no Paraguai se intensificaram. Com o assassinato do traficante Jorge Rafaat Toumani, que era conhecido como “rei da fronteira”, o grupo brasileiro pretendia garantir sua hegemonia na região, ocupando o mercado que pertencia a ele e dominando as rotas do tráfico de drogas do Paraguai.


DESTRUIÇÃO Em Ipanema, no Rio de Janeiro, uma explosão detona agência da Caixa Econômica Federal: crime dispara dentro do País (Crédito:Wilton Junior/Estadão)

Para ampliar presença em territórios internacionais, o PCC deverá repetir a estratégia que vem utilizando com sucesso no Brasil com os assaltos a bancos. Só na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, ocorreram cinco explosões em apenas uma semana. Duas na sexta-feira 21. “Os criminosos de São Paulo repassam a expertise para os cariocas, há um intercâmbio entre facções cariocas e paulistas”, diz Fabiano Gonçalves, promotor do Ministério Público Estadual e coordenador de uma operação que identifica e prende quem executa e esse tipo de ataque. Com essas ações, o PCC se fortalece e reforça sua imagem e seu orçamento. “O grupo tem o domínio geográfico, financeiro e bélico de determinadas regiões”, diz Gakiya. “Isso pode transformá-lo em um grande cartel de drogas com hegemonia internacional.”

Os tentáculos da facção na América Latina

> Argentina

O PCC importa armamentos argentinos como fuzis, metralhadoras e explosivos

> Bolívia

Desde 2008, bolivianos enviam drogas e armas para o Brasil, que seriam usadas em assaltos a bancos

> Colômbia

Há evidências de contatos diretos de integrantes do PCC com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)

> Paraguai

O PCC disputa território com quadrilhas locais

> Peru
A facção planeja ampliar os negócios no país e, assim, dominar todas as rotas do Narcosul

>Venezuela
Em parceria com narcotraficantes da Colômbia, o grupo já controla algumas rotas de exportação venezuelanas

O maior roubo da história do Paraguai


Mariana Ladaga/Diario ABC Color via AP

O Crime

Na segunda-feira 24, por volta da 1h30, dezenas de homens com fuzis, metralhadoras e granadas explodem a sede da transportadora de valores Prosegur, em Ciudad del Leste

O valor



Com a explosão do caixa-forte, os criminosos levam cerca de US$ 11,7 milhões



Mariana Ladaga/Diario ABC Color via APA estratégia


Os homens fecharam três acessos à sede da empresa com caminhões, deixando apenas uma saída livre para a rota de fuga. Foram incendiados 15 veículos para dispersar a polícia

Os “soldados”
Cada membro do grupo tinha funções específicas, como impedir a aproximação de policiais, explodir a sala do cofre e cuidar da segurança dos outros integrantes

A reação das autoridades
A polícia paraguaia afirma que não conseguiu chegar ao local por conta dos explosivos e do caos na região

Rota de fuga

Os assaltantes usavam máscaras e falavam português. Depois do roubo, fugiram em direção à fronteira em uma lancha para então entrar na selva

O confronto

Em território brasileiro, a Polícia Federal troca tiros com suspeitos em Itapulândia, no Paraná e contabiliza 12 pessoas



Mariana Ladaga/Diario ABC Color via AP

O arsenal


Foram apreendidos cinco veículos, um carro de polícia, um fuzil, uma pistola, um barco, sete quilos de explosivos e munição de grosso calibre



Colaborou Eliane Lobato

Créditos das fotos: Christian Rizzi/Zuma Wire/Fotoarena; Kiko Sierich/FuturaPress; Wilton Junior/Estadão; Mariana Ladaga/Diario ABC Color via AP

domingo, 22 de janeiro de 2017

A GUERRA PCC X COMANDO VERMELHO


ZERO HORA 21 de janeiro de 2017 | N° 18748. PROA.

Estadão Conteúdo

As facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) brigam pelo domínio do tráfico de drogas nas fronteiras do Brasil. Por isso, estão em guerra: apenas nos primeiros 15 dias do ano, mais de cem presos foram brutalmente assassinados em massacres ocorridos em penitenciárias do Amazonas, de Roraima e do Rio Grande do Norte. No total, pelo menos mais 25 facções criminosas participam dessa disputa, apoiando o PCC ou o CV.

Enquanto o paulista PCC, após matar o narcotraficante Jorge Rafaat (que era o grande intermediário entre traficantes paraguaios e brasileiros), em junho de 2016, passou a dominar o tráfico de drogas e de armas na fronteira com o Paraguai, o fluminense CV, via Família do Norte (FDN), controla a fronteira com o Peru, no caminho conhecido como Rota Solimões.

De acordo com o procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino, especialista em investigações sobre o crime organizado, PCC e CV firmaram aliança no final dos anos 1990. Naquela época, a facção paulista começou a vender drogas no Rio por “atacado” e, ao mesmo tempo, passou a investir o dinheiro do crime na expansão de atividades em outros Estados, formando parcerias com grupos locais.

– O PCC dava aos bandidos locais a estrutura e noção de organização que eles não tinham. Por isso, acabou ganhando inúmeros simpatizantes em vários Estados, enquanto o CV consolidou o domínio na maioria dos morros do Rio – diz Christino.

Com um exército de 10 mil homens – 7 mil nos presídios e 3 mil nas ruas –, o PCC se tornou a principal facção criminosa do Brasil e movimenta, segundo o Ministério Público Estadual de SP, 40 toneladas de cocaína e R$ 200 milhões por ano. Esse status, porém, trouxe inimigos dentro do crime, que são facções menores concentradas principalmente no Norte e Nordeste.

Segundo Christino, o assassinato de Rafaat, com tiros de metralhadora calibre .50 (capaz de derrubar um helicóptero), rompeu a aliança e tornou o CV dependente do PCC.

– As consequências estão aparecendo, que são os massacres nos presídios – afirma o procurador.

Para enfrentar o PCC, o CV fez alianças com facções como a FDN, que comanda o crime no Amazonas e domina a cobiçada Rota Solimões, e determinou a morte de membros do PCC em cadeias do Norte. Em contrapartida, a facção paulista ganhou mais força nas regiões Sul e Centro-Oeste, o que consolidou o domínio na fronteira com o Paraguai.

A força da FDN é estar ao lado dos três maiores produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Peru e Bolívia. O grupo imita o modelo do CV, com o tradicional pagamento de mensalidade por parte dos afiliados. O policial civil aposentado Antônio Gelson de Oliveira Nascimento, professor da Universidade do Estado do
Amazonas, diz que, quando as lideranças começaram a ser segregadas em presídios federais, houve contato com o know-how das grandes organizações, o que permitiu o crescimento da FDN:

– Você tira o bandido perigoso do Amazonas e o coloca para dividir cela com Fernandinho Beira-Mar. O que se pode esperar desse camarada, que era inexperiente, é aprender como se faz.

sábado, 21 de janeiro de 2017

VIOLÊNCIA À MEXICANA ASSOMBRA O BRASIL



ZERO HORA 21 de janeiro de 2017 | N° 18748


HUMBERTO TREZZI



EMPODERADAS, FACÇÕES CRIMINOSAS BRASILEIRAS adotam mutilações, chacinas e outras barbáries usuais entre os cartéis de drogas do México

Cabeças cortadas e jogadas em praça pública. Massacres em presídios. Milícias contra o tráfico. Chacinas em bares e boates. Matanças sem fim nas ruas. O Brasil começa a experimentar agora barbáries que outro grande país latino-americano, o México, vivencia há pelo menos 10 anos. Tudo pautado por uma espiral de descontrole na delicada área da segurança pública. As facções do crime não se contentam agora com o varejo. Disputam o mercado brasileiro como um todo.

Os mexicanos conhecem essas desgraças desde meados da década passada. Zero Hora esteve em outubro de 2009 em Ciudad Juárez (cidade mexicana na fronteira com os Estados Unidos), na época a cidade mais violenta do Ocidente. Na frente da prefeitura local, a equipe de ZH viu cena estarrecedora: três cabeças cortadas e colocadas sobre bancos de plástico. Atrás delas, cartazes com um alerta:

– Isso é o que vai acontecer com todos que nos buscam, os seguidores de Chapo. Assinado: La Línea (apelido do Cartel de Juárez).

Era briga de cartéis, algo corriqueiro na fronteira de um dos países mais violentos das Américas. Juárez, com o mesmo tamanho de Porto Alegre (cerca de 1,5 milhão de habitantes), tinha taxa anual de 130 assassinatos por 100 mil habitantes – sete vezes mais do que a capital gaúcha apresentava, à época, uma vez que, atualmente, a metrópole vive epidemia de homicídios.

Hoje, as cabeças cortadas atormentam o cotidiano dos porto-alegrenses. Chacinas se sucedem num ritmo que preocupa especialistas como Francisco Amorim, mestre e doutorando em Sociologia, integrante do Grupo de Pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS. Em estudo sobre violência oriunda do narcotráfico, Amorim estuda 30 cidades de 17 países. Esteve na Colômbia e acaba de voltar do México.

– Assim como no México dos anos 2000, vivemos aqui um salto nas taxas de crimes violentos por conta de disputas, agora em nível nacional, entre grandes organizações criminosas. Estes grupos, tanto lá como aqui, agem por redes de acordo, pactos que podem durar anos ou semanas. Aí disputam violentamente rotas e pontos de venda, não apenas de entorpecentes, mas de produtos contrabandeados ou roubados. Por isso, a briga é maior nas fronteiras e em portos, como Natal e Rio de Janeiro. Ao se nacionalizarem, PCC e CV querem a hegemonia que trará, por exemplo, o controle do tráfico de cocaína para o sul da América do Sul, Brasil e ainda algumas importantes rotas aéreas e marítimas para a Europa – analisa.

O pesquisador crê que a superlotação prisional (leia mais sobre esse assunto nas páginas 24 e 25) tende a acelerar a violência. De uma progressão aritmética, os barbarismos saltaram para algo quase geométrico, nos últimos anos.

A grande diferença é que a criminalidade brasileira – incluindo a gaúcha – ainda não alcançou a penetração social da registrada no México. Ainda.


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By Cameron Slater on March 26, 2013 at 10:30am

A guerra dos cartéis no México


No México, vários fatores agravam em muito o crime, sobretudo nas fronteiras. Entre eles, a corrupção, que atinge amplas camadas da polícia e da política (em níveis estratosféricos), a epidemia de sequestros (aqui raros) e o tráfico de pessoas (escravizadas na tentativa de migrar para os EUA). Outra novidade mexicana é o recrutamento forçado de jovens para o crime. São levados de suas casas para trabalhar em cartéis, sem opção de dizer não.

Afora isso, os mexicanos continuam matando mais que no Brasil, só que trocaram de palco. Ciudad Juárez, que vivencia uma paz armada entre os cartéis, baixou de 130 para 34 homicídios por 100 mil habitantes/ano. A guerra agora acontece em locais turísticos, como Acapulco (banhada pelo Pacífico, cenário de filmes clássicos de Elvis Presley), cuja taxa de homicídios foi de 104 por 100 mil habitantes, no ano passado. Ou seja, maior do que em qualquer cidade brasileira. Porto Alegre, com tamanho similar a esse balneário mexicano, está longe disso: apesar da mortandade recorde, tem taxa de 41 mortes por 100 mil habitantes.

Como evitar que padrões mexicanos se consolidem no Brasil? Uma maneira é saber como o México chegou à barbárie. Cada grande Estado mexicano tem seu cartel, conta o jornalista investigativo Mártin Duran Romero, que atua em Sinaloa. Os métodos é que os diferenciam. Enquanto na região do Atlântico as facções Los Zetas (fundada por ex-forças especiais do Exército) e do Golfo primam por práticas violentíssimas (como extorsão e sequestro de comerciantes, assassinato massivo de migrantes que não pagam suborno, explosões de lojas), na região do Pacífico (cartéis de Sinaloa e Tijuana), há maior preocupação em boas relações com o empresariado, informa o especialista. Mas todos matam.

A guerra de cartéis ocorre em ciclos, desde o início da década de 80. A pior matança ocorreu a partir de 2008, quando as facções de Sinaloa e Tijuana (ambos na costa do Pacífico) começaram a disputar os despojos do Cartel de Juárez. Tudo no norte mexicano, porta de entrada para o rico mercado das drogas norte-americano. O governo federal, com dinheiro americano, enviou tropas militares para intervenção nessas regiões.

– Um erro, porque não é matando ou encarcerando líderes que se acaba com o problema. Há uma dinâmica de oferta e procura, na qual os grandes consumidores de droga são os norte-americanos – critica o professor mexicano Juan Antonio Fernandez, doutor em Sociologia pela Universidad de Vera Cruz e pesquisador de criminalidade, em entrevista a Zero Hora.

Vieram batalhas sem fim. Matou-se em território mexicano, desde 2006, quase o mesmo que em toda a guerra do Iraque.

– O governo federal mexicano subestimou o poder inusitado dos cartéis na economia, na política e na cultura. Foi um erro crer que era apenas problema de segurança. É muito mais complexo, envolve políticas públicas de saúde e raízes culturais – critica.

CARTEL DE CHAPO É FOCADO EM LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO

Adrian López, autor do livro Un País Sin Paz, sobre cartéis da droga mexicanos, diz que o cartel de Sinaloa (que tinha Chapo Guzmán, agora preso, como líder) atua aos moldes da máfia tradicional, com menos violência e mais lavagem de dinheiro e corrupção.

Algo similar ao que o Primeiro Comando da Capital (PCC, paulista) tenta agora imprimir ao submundo brasileiro – um caminho pavimentado por violência e crueldade.

López vê similaridades entre Brasil e México: países de economias emergentes, com grandes populações e sistemas democráticos em construção. “Mas me parece que a autonomia do Poder Judiciário é maior no Brasil e permite maior aplicação da Justiça, algo que não ocorre no México e que seria fundamental”, define.

Evitar que o cataclismo mexicano se repita no Brasil é difícil. Uma alternativa talvez seja conter as organizações de tráfico antes da sua propagação no aparato estatal-eleitoral-empresarial, algo que o México não conseguiu, ponderam os experts consultados por ZH.

A FUGA E A PRISÃO
Conhecido como “El Chapo”, em 2015, escapou da prisão de segurança máxima de Altiplano, a 90 quilômetros da Cidade do México, por meio de um túnel subterrâneo de 1,5 quilômetro de extensão. Em janeiro do ano passado, foi novamente recapturado. Na última quinta-feira, foi extraditado para os Estados Unidos.
NO MÉXICO E AQUI
Como mexicanos e brasileiros se assemelham na criminalidade
O TAMANHO DOS CARTÉIS
No México, os nove grandes cartéis fazem guerra uns contra os outros, inclusive atravessando o país (cartéis do Norte eliminando rivais no Sul, etc.). São pelo menos nove organizações com capacidade internacional de ação.
No Brasil, as brigas de facções costumam ser regionais. Existem poucos cartéis com penetração nacional e ainda menos, internacional. A guerra atual começou na fronteira Brasil-Paraguai, onde o PCC (facção criminosa paulista) mandou executar patrões do tráfico ligados ao Comando Vermelho (carioca). Desde junho, mais de 40 mortes de ligados aos dois bandos foram registradas ali. O delegado Mikail Farias, da delegacia de Polícia Civil de Amambai, no Mato Grosso do Sul, a 40 quilômetros da fronteira paraguaia, confirma que a guerra de facções, ali, é perigosa. E quase todos que morrem são iniciados no crime.
– Os tiros têm endereço certo, bala perdida é caso raro – define.
COMPRA OU ELIMINAÇÃO DE POLICIAIS E POLÍTICOS
No México, oferecer “plata o plomo” (dinheiro ou chumbo, suborno ou morte) aos políticos e policiais é sistemático. É cotidiana a eliminação de policiais e políticos que trabalham para outros (ou são suspeitos de). Governantes, policiais e até generais, convocados para combater os cartéis, foram subornados e acabaram presos. A deputada Lucero Sánchez López, de Sinaloa, foi comprovadamente eleita e apoiada pelo narcotráfico.
No Brasil, o esquema de compra de políticos é ainda embrionário, mas começa a aparecer. O Comando Vermelho, periodicamente, ordena assassinato aleatório de PMs em represália contra mortes de chefes do tráfico no Rio. Com relação à corrupção, os três últimos pleitos estaduais e municipais no Rio tiveram representantes de máfias (sobretudo milicianos) eleitos. Na Região Norte, a cooptação de autoridades também se manifesta. Interceptações telefônicas recentes da PF mostram o subsecretário de Justiça do Amazonas combinando com presidiários apoio em votos para o governador – em troca de favores nas prisões. Ele foi afastado do cargo. No RS, pelo menos um vereador de São Leopoldo foi eleito com apoio do tráfico, segundo denunciou o secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes.
PARAMILITARISMO No México, proliferam grupos paramilitares criados para defender comunidades contra os narcotraficantes. São as milícias de autodefesa. Atuam sobretudo em áreas rurais.
No Brasil, os milicianos também fazem parte da paisagem há pelo menos uma década. No Rio, chegaram a tomar comunidades inteiras, onde extorquem comerciantes e moradores para “protegê-los” contra o tráfico.
PEDAGOGIA DO TERROR
No México, jogar cabeças cortadas em frente a prédios governamentais e pendurar corpos em viadutos das principais vias são práticas que vigoram há pelo menos uma década. E também o assassinato de ativistas de direitos humanos.
No Brasil, cabeças cortadas tornaram-se rotina na guerra entre facções travada em presídios em regiões metropolitanas.
INTERVENÇÃO FEDERAL
No México, ocorre de forma permanente nos pontos-chave do conflito, com tropas policiais federais e militares no enfrentamento direto do crime e também intervenção nos Estados (na parte de repressão criminal). Em contrapartida, há também assassinato cotidiano de agentes federais e de ativistas dos direitos humanos.
No Brasil, não há intervenção federal nos Estados, salvo presença eventual da Força Nacional. A presença do Exército nas ruas é exceção. Não há assassinato sistemático de federais e nem de ativistas de direitos humanos.
CLÍNICA-GERAL DO CRIME
No México, os cartéis dominam todo o tipo de crime. O comércio de drogas é apenas um deles. O tráfico de pessoas e o contrabando de veículos são duas outras facetas muito lucrativas, assim como a corrupção política com finalidade de participação em atividades legais (como construção civil). Além disso, há o sequestro: no estado de Tamaulipas, por exemplo, a cada ano 11 pessoas num grupo de 100 mil são sequestradas, padrão sem igual na América.
No Brasil, a situação é similar. O tráfico de drogas (e armas) serve de base da receita das facções, que também aplica recursos em veículos e assaltos. A preocupação em lavar o dinheiro é menor que no México. Ainda são poucas as ligações detectadas dos chamados “colarinhos brancos” com o tráfico. Em compensação, algumas facções criminais brasileiras exibem domínio territorial, sobretudo em favelas – algo raro no México.

domingo, 8 de janeiro de 2017

27 FACÇÕES ORGANIZADAS DIVIDEM O BRASIL. PCC E CV BUSCAM ALIADOS


Crime organizado é dividido entre 27 facções em todo o país. Em guerra, PCC e Comando Vermelho buscam aliados em todo o país

Por: Estadão Conteúdo
ZERO HORA 08/01/2017 - 10h40min



Massacre em Manaus escancarou o confronto entre facções pelo domínio de rota da droga no Norte do país Foto: Divulgação / Seap

As facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) disputam o domínio do tráfico de drogas nas fronteiras do País. Por isso, estão em guerra e buscam aliados do crime em todos os Estados. Na última semana, mais de 90 presos foram brutalmente assassinados em massacres ocorridos em penitenciárias do Amazonas e de Roraima. No total, segundo autoridades que investigam o crime organizado, pelo menos mais 25 facções criminosas participam dessa disputa, apoiando o PCC ou o CV.

Enquanto a facção paulista, após matar o narcotraficante Jorge Rafaat — que era o grande intermediário entre traficantes paraguaios e brasileiros —, em junho de 2016, passou a dominar o tráfico de drogas e de armas na fronteira com o Paraguai, o CV, via Família do Norte (FDN), controlar o tráfico na fronteira com o Peru, no caminho conhecido como Rota Solimões.


Segundo delegados e promotores, os grupos criminosos querem o controle das duas fronteiras.


De acordo com o procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino, especialista em investigações sobre o crime organizado, PCC e CV firmaram aliança no final dos anos 1990. Naquela época, a facção paulista começou a vender drogas no Rio por "atacado" e, ao mesmo tempo, passou a investir o dinheiro do crime na expansão de atividades em outros Estados, formando parcerias com grupos locais.

— Percebemos que o PCC dava aos bandidos locais a estrutura e noção de organização que eles não tinham. Por isso, acabou ganhando inúmeros simpatizantes em vários Estados. Isso fez a facção crescer e se expandir. Enquanto o CV consolidou o domínio na maioria dos morros do Rio, principais mercados de consumo de drogas no País —, diz Christino.

Com um exército de 10 mil homens — 7 mil nos presídios e 3 mil nas ruas —, o PCC se tornou a principal facção criminosa do Brasil e movimenta, segundo o Ministério Público Estadual (MPE), 40 toneladas de cocaína e R$ 200 milhões por ano.


Esse comportamento, porém, trouxe inimigos dentro do crime, que são facções menores concentradas principalmente no Norte e Nordeste.

— Os bandidos rivais de São Paulo estão em facções menores que não fazem diferença no cenário da criminalidade do Estado —, afirma Christino.


Roraima registrou o segundo massacre nas cadeias em menos de uma semana Foto: DANIEL TEIXEIRA / ESTADÃO CONTEÚDO

Para o procurador, com a morte de Rafaat, que foi assassinado com tiros de metralhadora calibre .50 (capaz de derrubar um helicóptero), o Comando Vermelho acabou virando dependente do PCC no tráfico na fronteira com o Paraguai.

— A partir desse momento, a aliança foi rompida. E as consequências estão aparecendo, que são os massacres nos presídios —, afirma o procurador.

Para o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), o CV percebeu a necessidade de fazer alianças com outros grupos criminosos para enfrentar o PCC. O grupo do Rio então se aliou à FDN, facção que comanda o crime no Amazonas e domina a cobiçada Rota Solimões, e determinou a morte de membros do PCC em cadeias do Norte. O CV também fez aliados em outros Estados do Norte e Nordeste.

Em contrapartida, a facção paulista ganhou mais força nas regiões Sul e Sudeste do País, principalmente no Paraná e Mato Grosso, o que consolidou o domínio na fronteira com o Paraguai.

FDN enfrenta facções ligadas a PCC para crescer

Se estar ao lado dos três maiores produtores de cocaína do mundo fez a facção Família do Norte (FDN) se expandir nos últimos seis anos, o poder adquirido ainda não foi suficiente para que represente uma força dominante em toda a Amazônia. Imitar o modelo de facções como o Comando Vermelho (CV) garantiu o tradicional pagamento de mensalidade por parte dos afiliados e a FDN se estabeleceu como dominante em parte da fronteira. O grupo quer agora consolidar o domínio dessa rota, ocupando um vácuo de facções no Pará, e ter maior acesso à Bolívia, por meio de sua expansão no Acre e em Rondônia.Tudo isso não deve acontecer sem novas disputas, que podem incluir brigas nas penitenciárias, como em Manaus, que deixou 56 mortos.

Para executar seus planos, a Família terá de quebrar um "cinturão" do Primeiro Comando da Capital (PCC) que envolve o Amazonas. Em Roraima, acima, no Acre, abaixo, e no Pará, ao lado, as forças dominantes, segundo investigações policiais, são simpatizantes da organização paulista ou de grupos que se autodenominam de forma homônima.

Para ganhar força, a FDN aposta nas fronteiras, principalmente no encontro brasileiro com cidades colombianas e peruanas, na tríplice fronteira. Foi lá que a facção já desenvolveu negócios milionários e quer ter acesso a quantidades cada vez maiores de cocaína para revenda a Estados nordestinos, onde encontra um bom mercado. O Amazonas tem 2,7 mil quilômetros de fronteira.

– Amazonas é vizinho dos únicos produtores de cocaína do mundo: Colômbia, Peru e Bolívia. Nesse contexto territorial, há sinais claros do empoderamento dessa facção – disse o policial civil aposentado e professor da Universidade do Estado do Amazonas Antônio Gelson de Oliveira Nascimento.

Nascimento diz que, nas décadas passadas, havia grupos locais que se diluíam com as ações policiais. Quando as lideranças começaram a ser segregadas em presídios federais, houve contato com o know-how das grandes organizações, o que permitiu o crescimento da FDN:

– Você tira o bandido perigoso do Amazonas e o coloca para dividir cela com Fernandinho Beira-Mar. O que se pode esperar desse camarada, que era inexperiente, é aprender como se faz.

Para ele, "ignorar a proteção das fronteiras é subestimar o crime organizado".

Para consolidar o escoamento da sua mercadoria para o Nordeste, a Família poderá bater de frente com o Primeiro Comando do Norte (PCN), expressão do PCC fundado no Pará. O PCN encontra dificuldades para aumentar sua influência nas cadeias, pois não consegue afirmar seu poder em mercados consumidores crescentes de drogas, como Altamira e Marabá.

– No Pará vimos uma migração para o interior diante de um crescimento demográfico significativo – disse Aiala Colares, pesquisador da Universidade do Estado do Pará. Colares destaca que no Estado ainda funcionam grupos autônomos, como a Equipe Rex, que domina o Complexo Penitenciário de Americano, na região de Belém.

Já no Acre, a chegada do PCC, segundo a professora da Universidade Federal (UFAC) Marisol de Paula Reis Brandt, deu-se pela localização da fronteira com a Bolívia. Aliada ao Bonde dos 13, a organização paulista disseminou o expertise em gestão criminosa, com direito a estatuto, cadastro e mensalidade. O Bonde dos 13, porém, já passou a enfrentar a dissidência de criminosos, alimentando o ciclo de disputas e acirrando a tensão dentro e fora das cadeias.


PCC aprofunda aliança com facção na Rocinha


A Polícia Civil fluminense identificou que o Primeiro Comando da Capital (PCC) aprofunda, desde o ano passado, uma aliança com a Amigo dos Amigos (ADA), facção carioca menor que a majoritária Comando Vermelho (CV) no domínio do tráfico de drogas.

O PCC quebrou o acordo de cooperação de mais de 20 anos com o CV no ano passado. Em outubro, a facção paulista oficializou a união com a ADA, o que levou a mudanças no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio.Segundo o promotor André Guilherme de Freitas, da execução penal do Ministério Público, após o rompimento cem criminosos do PCC que estão em unidades cariocas pediram para mudar de galeria. Eles estavam espalhados por prédios dominados pelo Comando Vermelho e emitiram um "seguro" (pedido de segurança) para serem transferidos para a galeria B7 da Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho, conhecida como Bangu 4. Ali ficam os detentos ligados à ADA, menor que o CV.

Freitas considera que a mudança pode ter facilitado o trabalho de integração das duas facções.

– Agora, eles estão juntos, o que facilita a tomada de decisões e de estratégia para expandir o controle do tráfico. Tenho informações de que bandidos da ADA já migraram para o PCC. Eles oferecem uma logística organizada, disciplinada, coisa que a ADA não tem. O CV enterra dinheiro no chão, a ADA briga entre si – disse.

Apesar de dominar menos comunidades no Rio que o CV, a ADA controla pontos importantes do tráfico, como a Rocinha, na zona sul, e o Complexo da Pedreira, com 11 favelas, na zona norte. A polícia estima que 60% das comunidades do Estado sejam dominadas pelo CV, e os outros 40% estejam divididos entre ADA, Terceiro Comando Puro (TCP) e milícias.

A Rocinha é controlada pela ADA desde 2004. O delegado titular da 11ª Delegacia de Polícia (Rocinha), Antonio Ricardo, disse ao Estado que ainda não há registros oficiais de bandidos do PCC no local. Atualmente, a favela é controlada por Rogério Avelino da Silva, conhecido como Rogério 157 (artigo do Código Penal que qualifica o roubo). O Disque-Denúncia oferece recompensa de R$ 30 mil para quem fornecer informações sobre o criminoso. Antes de Rogério, o líder era Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, principal traficante da facção, preso em 2011.

A Polícia Civil de São Paulo apurou que integrantes do PCC estão morando na Rocinha para ajudar a gerenciar o tráfico de drogas na favela. Estão também, segundo as investigações, reforçando a segurança. Há informação de que a facção paulista mandou 14 fuzis para a ADA no segundo semestre de 2016 para ajudar na luta contra o CV.

Para o procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino, que investiga o PCC há mais de 20 anos, a tomada da Rocinha é o primeiro passo da intenção da facção paulista de ampliar a participação no tráfico de drogas no Estado.

– A guerra com o CV é por motivo exclusivamente comercial: o lucro de drogas.

Ligações telefônicas interceptadas por policiais mostraram que a facção paulista já teria conseguido "batizar" pelo menos 90 criminosos no Rio e teria penetrado em municípios da Baixada Fluminense, Regiões Serrana e dos Lagos e Norte Fluminense. O trabalho de cooptação é feito de dentro das prisões de outros Estados, por conferências via celular. – Estamos com o tabuleiro montado dentro do Rio – diz um áudio.

sábado, 7 de janeiro de 2017

OS DONOS DO CRIME


REVISTA ISTO É, 06.01.2017 nº 2456
Quem são e como se organizam os chefes das facções criminosas que controlam os complexos penitenciários brasileiros e ameaçam levar uma guerra sangrenta para as ruas do País






Eles espalham terror, impõem sua lei nos presídios e têm poder semelhante aos grandes grupos de mafiosos. Ao longo dos últimos trinta anos, se tornaram conhecidos e temidos pela população brasileira. As facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) cresceram em importância não só nos estados onde surgiram, mas em todo o País. As atividades dos grupos, inicialmente concentradas nos complexos prisionais, venceram as muralhas das penitenciárias e ganharam as ruas em ações cinematográficas. Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, à frente do CV, e Marcos Willians Hermes Camacho, o Marcola, à frente do PCC, se tornaram homens procurados internacionalmente e ganharam notoriedade continental. Nem o mais pessimista especialista em segurança pública poderia prever tamanha expansão desse tipo de organização criminosa. Expansão esta que só tende a crescer, ancorada na omissão do Estado.

Na semana passada, o Brasil foi apresentado, de forma traumática, a mais uma representante desta seara podre da sociedade brasileira . A “Família do Norte”, conhecida pela sigla FDN, dominou o noticiário nacional e internacional depois de comandar a execução de 56 presos ligados ao PCC durante rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no Amazonas (leia reportagem na página 56). Foi o maior massacre dentro de uma prisão desde 1992, quando a Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru, foi invadida durante uma briga e 111 detentos foram mortos. Em vídeo feito por um detento na parte interna do Compaj, entre corpos decapitados e muito sangue, vê-se uma bandeira da organização criminosa. “É FDN que comanda, porra!”, desafia o preso que empunha a flâmula, sem se preocupar em esconder o rosto.

 
MISSÃO Bandeira do PCC pela paz não faz mais sentido; dinheiro é a força que move a facção

A FORÇA DA FACÇÃO

A FDN surgiu em 2006 da aliança entre dois ex-rivais do mundo do tráfico de Manaus. José Roberto Fernandes Barbosa, conhecido como “Compensa”, controlava a venda de drogas na região Oeste da cidade, enquanto Gelson Carnaúba, o “G”, dominava a região Sul. Presos, ambos cumpriram pena em presídios federais, onde tiveram contato com membros do CV e do PCC, e de lá voltaram determinados (ou orientados), segundo a Polícia Federal, a estruturarem uma operação nos moldes das facções do eixo Rio-São Paulo. Não demorou para o negócio decolar.

Em pouco tempo, a dupla dominou quase toda a rota “Solimões”, na região da fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia, e passou a escoar grandes quantidades de cocaína para vender em Manaus, distribuir pelo Brasil e exportar para a Europa. Já em 2006, Barbosa aparece em vídeo durante sua própria festa de aniversário, organizada para mais de duzentos convidados, em um luxuoso buffet de Manaus. Durante os parabéns, é visto rodeado por amigos em cerimônia que lembra o beija-mão dos mafiosos italianos. Cada convidado que o abraça entrega uma joia de ouro – seja anel, pulseira, relógio ou colar. Sorridente, o criminoso bate palma e posa para foto. Também em 2006, Barbosa funda o “Compensão”, time de futebol que viria a se tornar uma das mais populares equipes amazonenses na categoria “amador”. Pesadamente financiado, o time foi campeão duas vezes em sua categoria e até hoje amedronta adversários, que dizem temer as ameaças que frequentemente vêm das arquibancadas.

Mesmo com a detenção de Barbosa, em setembro de 2009, a arrecadação da FDN continuou a crescer. Os negócios nessa época iam tão bem que os cerca de R$ 1 milhão em receita mensal passou a bancar não só a operação do grupo, mas também os honorários de um time de nove advogados dedicados exclusivamente ao bando. À época, Barbosa e seus comparsas já respondiam por crimes como evasão de divisas, tortura, sequestro, lavagem de dinheiro, homicídio, corrupção de autoridades, e tráfico internacional de drogas e armas. Mas foi a partir do momento em que Barbosa foi preso que a FDN deslanchou. Na cadeia, mas com mordomias (leia quadro), sem muito o que fazer e protegido por seus aliados, o traficante pôde se dedicar aos negócios. Foi com Barbosa detido que a facção colocou no ar seu sistema digital de compra e venda de drogas e de monitoramento das ruas do tráfico. Foi também nesse período que reformulou o processo de seleção de novos membros. Agora, os integrantes devem passar por uma rigorosa peneira com participação de filiados de vários escalões.


EX-ALIADOS CV e PCC já foram parceiros nos negócios e comandaram rebeliões pelo Brasil


PROFISSIONAIS

Atualmente, a FDN é a terceira maior facção criminosa do País. O grupo nunca escondeu que, nesse esforço organizacional, suas inspirações foram o Comando Vermelho (CV) e, fundamentalmente, o Primeiro Comando da Capital (PCC), hoje seu maior rival. No Brasil, não há exemplo maior de estruturação e planejamento do crime do que o PCC. Criado em 1993 no Anexo da Casa de Custódia de Taubaté, a 130km de São Paulo, o grupo surgiu com estatuto próprio e missão clara: “combater a opressão dentro do sistema prisional paulista”. Os anos se passaram e a missão parece se resumir a ganhar dinheiro. A facção tem hoje mais de 22 mil membros espalhados por praticamente todos os estados do País (leia quadro). À frente da potência que virou o PCC está Marcos Willians Hermes Camacho, o Marcola. Preso por roubo a bancos desde 1999, ele comanda com mão de ferro a estrutura fortemente hierarquizada que é a facção.

Com Marcola, o PCC expandiu e diversificou seus negócios, tidos como muito dependentes do tráfico de drogas até o final dos anos 1990. Hoje, sabe-se que possui times de futebol na Zona Leste de São Paulo. Também é proprietário de companhias de ônibus, forma advogados e teria feito um prefeito na Grande São Paulo. É dono de uma refinaria clandestina em Boituva, no interior de São Paulo, que, durante anos, desviou óleo da Petrobras, o refinou e o revendeu em uma rede de postos de gasolina, também de sua propriedade. E ajuda a operacionalizar a ocupação de terras na região metropolitana de São Paulo para depois exigir 25% das habitações construídas nos terrenos invadidos. Os imóveis são mais tarde entregues às famílias de detentos que estão desamparados.

Hoje, estima-se que o PCC tenha uma receita anual bruta de cerca de R$ 300 milhões – o equivalente à operação de uma indústria como a Caloi, que fabrica bicicletas desde 1948. Muito do dinheiro foi reinvestido na facção. Parte, porém, ficou para o conforto de Marcola e família. A mulher do traficante, por exemplo, costuma ser levada para visitá-lo por um motorista particular a bordo de uma Toyota SW4, carro que não custa menos de R$ 150 mil. Já Marcola, vaidoso, esbanja com cremes e procedimentos de beleza. Recentemente, pediu à Justiça autorização para fazer um tratamento de botox dentro da cadeia. O pedido foi negado.





EXPANSÃO E MEDO

Embora hoje menos poderoso do que foi nas décadas de 1980 e 1990, o Comando Vermelho (CV) ainda impõe respeito. Fundado no Rio de Janeiro, o grupo surgiu em 1973 e foi pioneiro entre as facções criminosas brasileiras. Sob a liderança de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, o CV dominou mais de 80% do tráfico da cidade e espalhou terror com roubos a banco e violência. Beira-Mar ganhou fama no Exterior graças à visibilidade do Rio de Janeiro e tentou dar início a um processo de diversificação dos negócios do grupo já na década de 1990 – antes, portanto, do PCC. A iniciativa, porém, foi interrompida por sua prisão, em 2001, na Colômbia. Desorganizada, a facção perdeu relevância. Hoje, porém, tenta crescer no País com alianças como a feita com a FDN.



Entre especialistas de segurança pública, é sabido que organizações criminosas surgem e crescem onde o Estado não se faz presente. Hoje, as facções cresceram de tal forma que há quem argumente que já não faz mais sentido falar em “poder paralelo” quando se está referindo a elas, mas sim em “poder de fato”. Em São Paulo, sabe-se que coube ao PCC mediar o acordo que promete acabar com as brigas entre as torcidas organizadas. Com isso, o grupo espera aumentar o público nos jogos, lançar um time e faturar com a nova atividade. Ainda na capital paulista, sabe-se que o PCC também trabalha para acabar com as cracolândias. Para o grupo, a droga não é comercialmente viável.

O espaço ocupado por esses bandidos profissionalmente organizados só foi possível porque há um vácuo na política penitenciária do Estado. E ele permanecerá, e se estenderá, se não forem tomadas providências pelo poder público. A guerra que se anuncia a partir do ataque da semana passada não será curta. “A reação do PCC já começou”, diz o padre Valdir Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Recebi ligações de familiares de presos que alertaram para o que está por vir”, afirma. Enquanto nada for feito, Beira-Mar, Marcola e Compensão continuarão apavorando o Brasil.

Quem é quem


Marcola – Marcos Willians Herbas Camacho
Líder do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcola, 48 anos, nasceu na Vila Yolanda, em Osasco (SP). Órfão de mãe, não conheceu o pai e já roubava aos 9 anos, no Centro de São Paulo. Sua primeira condenação foi em 1987 por assalto à mão armada. Só foi preso em 1999 por participar de dois roubos a banco e cumpre pena em presídio de segurança máxima em Presidente Venceslau

Fernandinho Beira-Mar – Luiz Fernando da Costa
Nascido em Duque de Caxias (RJ), Fernandinho Beira-Mar, 49, foi criado na favela Beira-Mar e é líder do Comando Vermelho (CV). Aos 20 anos, foi preso por furtar armas do Exército. Cumpriu pena, voltou à favela e tornou-se líder do tráfico. Para fugir da polícia, já se refugiou no Paraguai e se aliou às FARC. Foi preso em 2001 e cumpre pena de 200 anos em Porto Velho (RO) e

Zé Roberto da Compensa – José Roberto Fernandes Barbosa
Compensa, 44 anos, fundou a facção Família do Norte (FDN), de Manaus. Aos 12 anos iniciou a vida no crime e já foi preso quatro vezes. Compensa é o elo dos traficantes do Peru e da Colômbia com o Brasil. Já esteve preso em Porto Velho (RO) e Catanduvas (PR). Durante uma fuga, em 2013, matou dois comparsas que se aliaram ao PCC. Cumpre pena em Catanduvas (SC).

A TRAJETÓRIA DAS FACÇÕES

Saiba quando surgiram, quantos membros possuem e quanto arrecadam anualmente as maiores facções do País

Primeiro Comando da Capital (PCC)
• 1993 é o ano em que a organização criminosa surgiu, no Centro de Reabilitação Penitenciária de Taubaté, no Vale do Paraíba
• 7 mil é a quantidade de integrantes do PCC em São Paulo
• 20 a 22 mil são os membros do grupo fora de São Paulo
• R$ 300 milhões é quanto o PCC arrecada anualmente

Comando Vermelho (CV)
• 1979 foi ao ano em que o CV foi criado, na prisão Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ)
• 3 a 8 mil é a quantidade de integrantes no Rio de Janeiro
• 16 mil são os membros do grupo fora do estado fluminense
• R$ 57,6 milhões* é quanto o CV arrecada anualmente

Família do Norte (FDN)
• 2006 foi ao ano em que Gelson Carnaúba, o Mano G, e Zé Roberto Compensa, voltaram para Manaus após passarem um tempo cumprindo pena em presídios federais e decidiram criar a FDN para conter o PCC
• 200 mil é a quantidade de membros cadastrados em um sistema informatizado e com senhas
• R$ 6-12 milhões é quanto arrecada anualmente


Marcola, Beira-Mar e Compensa têm vida diferente da de outros homens presos


LUXO Cela no Compeja era para visitas íntimas

Os líderes das três maiores facções do País são tratados de forma diferente nos presídios. E não é com mais rigidez, como se espera. Pelo contrário. Marcola, do PCC, pode receber, de suas visitas, creme hidratante, condicionador e outros produtos para cuidados pessoais. Normalmente, esses itens só podem ser entregues pelo correio e são revistados. Até o final do ano passado, Marcola tinha um dermatologista com quem fazia consultas. O médico chegou a pedir autorização para a aplicação de botox. O pedido foi negado. O chefe do PCC também pode receber visitas íntimas, vive em uma cela espaçosa sozinho e pode até pedir pizza. Em maio de 2015, Fernandinho Beira-Mar viajou de helicóptero de Porto Velho (RO) ao Rio de Janeiro para acompanhar um processo. Os gastos com o transporte e com os honorários ficaram em, pelo menos, R$ 120 mil. Ele recebe produtos para cuidados pessoais, visitas íntimas e até o ansiolítico Rivotril, para insônia. Zé Roberto Compensa também tem suas mordomias. De dentro da cela, tocou o time de futebol da FDN, tem direito a visitas íntimas, ônibus especial para transporte próprio e de parentes, tolerância acima da média na cadeia, além de vigilância praticamente inexistente.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

PASSOU A HORA DE ACORDAR PARA O PROBLEMA DAS FACÇÕES

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - OS alertas sobra a violência do crime e a situação caótica e desumana nos presídios não são ouvidos por nenhum GOVERNANTE, como também não são ouvidos e nem respondidos pelos LEGISLADORES que fazem as leis e nem pelas autoridades da JUSTIÇA que aplicam as leis. Há IRRESPONSABILIDADE, LENIÊNCIA E PERMISSIVIDADE generalizadas em todos os níveis  de poder, focados apenas em interesses pessoas, partidários e corporativos. Há também muita omissão, conivência e irresponsabilidade nos órgãos da execução penal. A população foi abandonada, os presos são devolvidos ao crime, os direitos se perderam e somente as forças policiais, apesar das inúmeras dificuldades e salários baixos, é que estão enfrentando com coragem e superação, mas sempre enxugando gelo.


Beltrame: "Passou da hora de acordar para o problema das facções". Ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro diz que alertas sobre a violência do crime organizado e a situação das cadeias não vêm sendo ouvidos pelo governo federal

ZERO HORA 05/01/2017



Foto: Ricardo Duarte / Agencia RBS

Quase dez anos à frente da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, deram ao delegado federal gaúcho José Mariano Beltrame, a experiência necessária para apontar problemas e soluções para conter a violência no pais. Em junho, ele anteveu que o crime organizado avançaria pelas mãos da maior facção do pais, o PCC, que agora protagoniza uma guerra nas cadeias que tende a se espalhar pelas ruas.

Morando no Rio, mas fora do governo fluminense desde outubro, Beltrame, 59 anos, abriu uma empresa de consultoria e recentemente assumiu a presidência do Conselho de Gestão de Segurança Urbana da capital paulista. A seguir trechos da entrevista, por telefone, no qual ele defende a intervenção do Ministério da Defesa em ações de segurança e diz não ter sido ouvido pelas autoridades quando alertou para o perigo das facções.

O alerta feito pelo senhor de uma nova configuração do crime organizado no país provocou reação por parte das autoridades brasileiras?

Nenhuma. Não adiantou nada, infelizmente. Temos uma lei sueca, mas a nossa sociedade que não é sueca. Nosso nível de civilidade não condiz com isso, nem menos com a Constituição. Sei que apenas polícia não adianta, mas tem coisas que podem ser feitas, e que não são muito difíceis.

O PCC avançou com força para o Norte e Nordeste e para a Rocinha, no Rio...

Está aqui (no Rio) estrategicamente, não ostensivamente. Não é perfil deles esse tipo de atitude. Agem muito mais estourando carro-forte, assaltando banco, comandando cadeias, fazendo o comércio, aquilo que dá dinheiro. Estão na favela fornecendo a droga. Ele está aqui, como está em vários lugares do pais como logística.


O PCC vai dominar os presídios do país?

Acho que, de certa forma, já domina.

Como enfrentar as facções?
Não se pode jogar o problema para uma secretaria de segurança, para uma secretaria de administração penitenciária. O aumento da população carcerária, a maneira como os presos são tratados, isso facilita o diálogo no presídio e a organização entre eles. O sistema prisional é a verdadeira nitroglicerina (substância explosiva usada na fabricação de bombas). Tem de ter, urgente, uma inteligência prisional que retire os presos mais perigosos e os transfira para presídios federais. Esse é primeiro ponto. O segundo é construir 500 presídios no país. Qual Estado pode construir? É um problema difícil, e essa falta de horizonte nos deixa em situação delicada.

Qual reflexo da guerra das facções para a sociedade?

Vejo de maneira muito preocupante. E este é um assunto que não está na pauta do governo federal. Continua na mão dos Estados. Há necessidade de ações conjuntas, planejadas, organizadas, para mitigar esses problemas, pois acabar é muito difícil. Defendo o ingresso do Ministério da Defesa nessa luta. Não dá mais para dizer que não é minha função, que não é constitucional. Quando se quer mudar a Constituição, se muda até de madrugada. Passou da hora de acordar para esse problema (das facções). Não haverá desenvolvimento no Brasil sem segurança.