ZERO HORA 17 de junho de 2017 | N° 18874
EDUARDO TORRES
SEGURANÇA JÁ
ARTICULADOS A PARTIR de presídios, criminosos que espalham terror pela Região Metropolitana estão expandindo sua influência pelo Interior. Em busca de vantagens no mundo do crime, estão fatiando o Estado
Só há um muro na rua de casas simples, piso de paralelepípedos, típica do interior, no bairro Madre Tereza, em Santo Antônio da Patrulha. É a parede lateral do salão de uma igreja. Pois foi ali que a chegada das facções criminosas deixou sua marca. Em tinta azul: “14-18-12”, marca dos Manos, com referência a artigos da antiga lei de drogas. Abaixo, em preto: “BNC”, iniciais de Bala na Cara.
Desde o começo do ano, este é um ponto sob disputa dos dois principais grupos criminosos originários da Região Metropolitana. A algumas quadras da pichação, Pedro Conceição, 19 anos, e o sobrinho João Pedro Conceição, quatro anos, foram executados em um ataque contra a casa de madeira da família em 29 de maio. Noventa e três cápsulas deflagradas foram recolhidas. O tio, de 55 anos, que estava junto, não sabe explicar exatamente o que aconteceu. Desde aquela noite, não consegue dormir. A família assistia a um filme quando criminosos invadiram a casa e abriram fogo:
– Me joguei no chão e rezei. Foi o que deu para fazer naquela hora – conta.
Conforme o delegado Valdernei Tonete, as vítimas não eram os alvos do bando. Pedro não tinha envolvimento com a criminalidade. A vida dele, segundo o tio, era dedicada a cuidar de cavalos e galinhas que ficaram no pátio da casa. As mortes engrossaram uma conta macabra no município de 43 mil habitantes: nove pessoas já foram assassinadas neste ano. É o mesmo número registrado em todo o ano passado. A mãe e os oito irmãos de Pedro, entre eles a mãe de João Pedro, foram embora da cidade.
– Está todo mundo apavorado porque poderiam ter atirado em qualquer casa. Moro há 20 anos aqui e nunca vivi nada parecido – diz uma moradora de 44 anos, que pede para não ser identificada.
Santo Antônio da Patrulha é o palco mais recente de um novo estilo de avanço da criminalidade pelo Estado. Desde o ano passado os homicídios saltaram no Litoral Norte, sobretudo em Capão da Canoa, que teve aumento de 66% nos assassinatos no primeiro trimestre deste ano. Os Bala na Cara e Os Manos disputam entre si o controle e fatiam o Rio Grande do Sul. Em pelo menos sete regiões, fora da Metropolitana, há relatos da presença deles.
Com 13 mil habitantes, Santo Augusto, no Noroeste, vive em pânico depois de uma investida com tiros a esmo que resultaram na morte de um idoso de 69 anos sem envolvimento com a criminalidade. Os homicídios saltaram 60% na região em relação aos cinco primeiros meses de 2016. No Sul, São José do Norte já perdeu 13 jovens na disputa este ano. É quase o triplo de todo 2016. Nos vales do Taquari e Rio Pardo, elas já interferem no mercado de cigarros.
MAIS DE 15 AÇÕES DE PRESOS SEORGANIZANDO JÁ FORAM DETECTADAS
A situação se agravou no início deste ano a partir de uma espécie de “doutrinação” de criminosos próprios de cada região depois de presos e em contato com líderes da Região Metropolitana. O objetivo vai além da possibilidade de exclusividade na venda de drogas em uma determinada área. Os tentáculos das facções criam cadeias de comércio ilegal e controle de rotas de drogas e armas no Estado. E quando encontram regiões fragilizadas pela falta de policiais nas ruas, a criminalidade dispara. Na Região Noroeste, o roubo de veículos aumentou 166% no primeiro trimestre deste ano em relação a 2016.
Articuladas a partir dos presídios, as facções têm na superlotação do sistema o combustível ideal para arregimentar mais integrantes. Este é um dos motivos para o avanço no Litoral Norte. Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a Penitenciária Modulada de Osório – única casa prisional na região – está com ocupação 120% acima da capacidade: tem vaga para 800 e está com 1.758 presos.
Para as facções, a vantagem de ter aliados no Litoral é tanto logística – para eventuais fugas – quanto comercial, já que o fornecimento da droga é feito a partir da base da facção. Aos traficantes locais, a sociedade é a garantia de segurança para manter seus pontos. De acordo com o diretor de Polícia do Interior, delegado Fernando Sodré, a presença de facções cada vez em mais regiões do Estado é a maior preocupação atual do departamento. O foco é detectar as fontes de lucratividade e descapitalizar os grupos criminosos com ações contra a lavagem de dinheiro, por exemplo. Mas, admite, é insuficiente:
– A articulação acontece nas cadeias. Tanto com presos do Interior levados à Região Metropolitana, quanto o contrário. A prioridade de qualquer ação pública hoje tem de estar centrada em assumir o controle do sistema prisional. Com as cadeias lotadas, fica quase impossível separar o joio do trigo.
O diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, admite que a superlotação é um fator facilitador. Números da superintendência apontam cadeias lotadas em todas as regiões onde foram detectadas movimentações.
– Todo e qualquer grupo nas nossas prisões está mapeado. É um trabalho permanente do nosso serviço de inteligência e de troca de informações com a Brigada Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e até a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – detalha.
Segundo ele, mais de 15 ações de facções se organizando no Interior já foram detectadas e sufocadas. Para o sociólogo Juan Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da UFRGS, o fenômeno atual começou a ser gerado quando o crime chegou ao Interior. A dependência da estrutura das grandes facções, agora, é consequência quase natural.
– Nesse momento as facções estão no seu apogeu, têm mais dinheiro e buscam lucro. Não são os criminosos daqui que vão para lá, mas eles que exercem a influência e garantem a dependência das demais regiões de toda a estrutura que criaram – explica.
O Estado precisa agir, aponta o especialista, para evitar que as facções se perpetuem:
– A facção se fortalece do esgotamento da reserva moral de uma comunidade, temos visto isso nas periferias de Porto Alegre e nos presídios superlotados, onde exercem controle total. Comunidades empobrecidas, sem assistência plena do Estado se tornam terrenos férteis para a estrutura criminosa.
COMO BARRAR O AVANÇO
SEGURANÇA JÁ
ARTICULADOS A PARTIR de presídios, criminosos que espalham terror pela Região Metropolitana estão expandindo sua influência pelo Interior. Em busca de vantagens no mundo do crime, estão fatiando o Estado
Só há um muro na rua de casas simples, piso de paralelepípedos, típica do interior, no bairro Madre Tereza, em Santo Antônio da Patrulha. É a parede lateral do salão de uma igreja. Pois foi ali que a chegada das facções criminosas deixou sua marca. Em tinta azul: “14-18-12”, marca dos Manos, com referência a artigos da antiga lei de drogas. Abaixo, em preto: “BNC”, iniciais de Bala na Cara.
Desde o começo do ano, este é um ponto sob disputa dos dois principais grupos criminosos originários da Região Metropolitana. A algumas quadras da pichação, Pedro Conceição, 19 anos, e o sobrinho João Pedro Conceição, quatro anos, foram executados em um ataque contra a casa de madeira da família em 29 de maio. Noventa e três cápsulas deflagradas foram recolhidas. O tio, de 55 anos, que estava junto, não sabe explicar exatamente o que aconteceu. Desde aquela noite, não consegue dormir. A família assistia a um filme quando criminosos invadiram a casa e abriram fogo:
– Me joguei no chão e rezei. Foi o que deu para fazer naquela hora – conta.
Conforme o delegado Valdernei Tonete, as vítimas não eram os alvos do bando. Pedro não tinha envolvimento com a criminalidade. A vida dele, segundo o tio, era dedicada a cuidar de cavalos e galinhas que ficaram no pátio da casa. As mortes engrossaram uma conta macabra no município de 43 mil habitantes: nove pessoas já foram assassinadas neste ano. É o mesmo número registrado em todo o ano passado. A mãe e os oito irmãos de Pedro, entre eles a mãe de João Pedro, foram embora da cidade.
– Está todo mundo apavorado porque poderiam ter atirado em qualquer casa. Moro há 20 anos aqui e nunca vivi nada parecido – diz uma moradora de 44 anos, que pede para não ser identificada.
Santo Antônio da Patrulha é o palco mais recente de um novo estilo de avanço da criminalidade pelo Estado. Desde o ano passado os homicídios saltaram no Litoral Norte, sobretudo em Capão da Canoa, que teve aumento de 66% nos assassinatos no primeiro trimestre deste ano. Os Bala na Cara e Os Manos disputam entre si o controle e fatiam o Rio Grande do Sul. Em pelo menos sete regiões, fora da Metropolitana, há relatos da presença deles.
Com 13 mil habitantes, Santo Augusto, no Noroeste, vive em pânico depois de uma investida com tiros a esmo que resultaram na morte de um idoso de 69 anos sem envolvimento com a criminalidade. Os homicídios saltaram 60% na região em relação aos cinco primeiros meses de 2016. No Sul, São José do Norte já perdeu 13 jovens na disputa este ano. É quase o triplo de todo 2016. Nos vales do Taquari e Rio Pardo, elas já interferem no mercado de cigarros.
MAIS DE 15 AÇÕES DE PRESOS SEORGANIZANDO JÁ FORAM DETECTADAS
A situação se agravou no início deste ano a partir de uma espécie de “doutrinação” de criminosos próprios de cada região depois de presos e em contato com líderes da Região Metropolitana. O objetivo vai além da possibilidade de exclusividade na venda de drogas em uma determinada área. Os tentáculos das facções criam cadeias de comércio ilegal e controle de rotas de drogas e armas no Estado. E quando encontram regiões fragilizadas pela falta de policiais nas ruas, a criminalidade dispara. Na Região Noroeste, o roubo de veículos aumentou 166% no primeiro trimestre deste ano em relação a 2016.
Articuladas a partir dos presídios, as facções têm na superlotação do sistema o combustível ideal para arregimentar mais integrantes. Este é um dos motivos para o avanço no Litoral Norte. Segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), a Penitenciária Modulada de Osório – única casa prisional na região – está com ocupação 120% acima da capacidade: tem vaga para 800 e está com 1.758 presos.
Para as facções, a vantagem de ter aliados no Litoral é tanto logística – para eventuais fugas – quanto comercial, já que o fornecimento da droga é feito a partir da base da facção. Aos traficantes locais, a sociedade é a garantia de segurança para manter seus pontos. De acordo com o diretor de Polícia do Interior, delegado Fernando Sodré, a presença de facções cada vez em mais regiões do Estado é a maior preocupação atual do departamento. O foco é detectar as fontes de lucratividade e descapitalizar os grupos criminosos com ações contra a lavagem de dinheiro, por exemplo. Mas, admite, é insuficiente:
– A articulação acontece nas cadeias. Tanto com presos do Interior levados à Região Metropolitana, quanto o contrário. A prioridade de qualquer ação pública hoje tem de estar centrada em assumir o controle do sistema prisional. Com as cadeias lotadas, fica quase impossível separar o joio do trigo.
O diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, admite que a superlotação é um fator facilitador. Números da superintendência apontam cadeias lotadas em todas as regiões onde foram detectadas movimentações.
– Todo e qualquer grupo nas nossas prisões está mapeado. É um trabalho permanente do nosso serviço de inteligência e de troca de informações com a Brigada Militar, Polícia Civil, Polícia Federal e até a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) – detalha.
Segundo ele, mais de 15 ações de facções se organizando no Interior já foram detectadas e sufocadas. Para o sociólogo Juan Fandino, do Núcleo de Estudos sobre Violência da UFRGS, o fenômeno atual começou a ser gerado quando o crime chegou ao Interior. A dependência da estrutura das grandes facções, agora, é consequência quase natural.
– Nesse momento as facções estão no seu apogeu, têm mais dinheiro e buscam lucro. Não são os criminosos daqui que vão para lá, mas eles que exercem a influência e garantem a dependência das demais regiões de toda a estrutura que criaram – explica.
O Estado precisa agir, aponta o especialista, para evitar que as facções se perpetuem:
– A facção se fortalece do esgotamento da reserva moral de uma comunidade, temos visto isso nas periferias de Porto Alegre e nos presídios superlotados, onde exercem controle total. Comunidades empobrecidas, sem assistência plena do Estado se tornam terrenos férteis para a estrutura criminosa.
COMO BARRAR O AVANÇO
-Novos presídios: a principal fonte de disseminação das facções para o Interior está nos presídios. A organização dos grupos criminosos é facilitada pela superlotação e ausência de estrutura alternativa nas cadeias. No último dia 12, o governo estadual anunciou a construção de três novos, em Viamão, Alegrete e Charqueadas. De acordo com o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, o objetivo é que as novas casas prisionais, com capacidade para 924 presos, sigam o modelo já adotado na Penitenciária Estadual de Canoas. Lá, o preso usa uniforme, estuda, trabalha e tem direito a visita diferenciada. Não tem superlotação o que, de acordo com Carneiro, facilita o acompanhamento do tratamento penal de cada preso.
-Isolamento de lideranças: a estratégia adotada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) para barrar a guerra de facções na Região Metropolitana foi a transferência cada vez mais frequente de líderes dos grupos para penitenciárias federais. A construção de um presídio nesses moldes no Estado aumentará o poder de barganha para o envio de mais presos a serem isolados fora do Rio Grande do Sul.
-PMs nas ruas: o crescimento das facções criminosas em regiões como a Noroeste encontra um agravante perigoso. Alguns dos municípios afetados pelo problema sequer contam com policiamento ostensivo suficiente. No mês passado, o governo estadual anunciou que nenhum município do RS terá menos que três policiais militares em serviço a partir deste mês. A meta é, a partir do final do ano, aumentar este número para cinco brigadianos.
-Regionalização: as apurações policiais sobre o avanço das facções levaram o Departamento de Polícia do Interior a criar grupos regionais de investigação específicos. A intenção, de acordo com o delegado Fernando Sodré, é otimizar esforços entre os diversos municípios de cada região e detectar toda a rede formada pelos grupos criminosos, ao invés de investigar isoladamente.
-Parcerias: ação considerada exemplar na tentativa de frear o avanço das facções, a Operação Serrania, desencadeada no Presídio Estadual de Caxias do Sul foi conjunta entre a Polícia Civil, Ministério Público, Brigada Militar e Susepe. Nas áreas de fronteiras, a parceria dos órgãos estaduais se dá com a Polícia Federal. E em áreas como os vales do Taquari e Rio Pardo, a Polícia Civil e a Brigada Militar atuam com a Polícia Rodoviária Federal para tentar coibir o contrabando que municia traficantes locais.
A guerra invadiu o cenário interiorano
Passava do meio-dia de segunda-feira, 24 de abril, quando três homens armados com pistolas 9mm desembarcaram de uma caminhonete em uma das ruas de chão batido do bairro Getúlio Vargas, próximo à área central de Santo Augusto, na Região Noroeste. Dispararam dezenas de vezes contra quem estava na frente de uma das casas de madeira. Mataram Irineu Camargo, 69 anos, um dos mais conhecidos moradores da cidade, famoso pelos salames que a família produz. Deixaram feridos ainda a mulher dele e o filho, de 33 anos, conhecido como Pelezinho no futebol amador local, e que hoje vive o drama de perder os movimentos de uma das mãos. Eles não eram o alvo dos bandidos. E sim um vizinho, que tomava chimarrão com Irineu naquele momento.
– Ninguém consegue esquecer. Todo mundo caminha na rua olhando para os lados, cuidando os movimentos. Nunca se sabe quando uma desgraça pode acontecer de novo – conta uma moradora de 27 anos, que prefere não ser identificada, por medo de represálias.
Recentemente, moradores perceberam a movimentação de duas caminhonetes com placas da Região Metropolitana e acionaram a Brigada Militar. Os policiais logo chamaram reforço regional e, em alguns minutos, todos no município percebiam as viaturas por todos os lados. Era alarme falso. O susto foi porque os atiradores que mataram Camargo eram de Novo Hamburgo e agiram, segundo o delegado Gustavo Fleury, a mando de um traficante local, atualmente foragido.
A Região Noroeste virou ponto estratégico para a facção Os Manos. O grupo fornece, da Região Metropolitana, crack e cocaína para abastecer o tráfico local. Em troca, recebe maconha que é trazida da fronteira local com a Argentina. Para adquirir a droga no lado estrangeiro, são comuns as trocas por motos roubadas no lado brasileiro. Os roubos de veículos aumentaram 166% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado no Noroeste. De acordo com o delegado que investiga o caso, o estopim para a tentativa de matar o vizinho de Irineu Camargo em Santo Augusto foi justamente uma moto roubada.
Região era investimento da facção
No começo do ano passado, temendo uma consequência trágica, a mãe do adolescente Luís Ricardo Rodrigues da Silva, 16 anos, retirou-o da Região Metropolitana, onde o envolvimento com uma facção criminosa tornou o seu destino muito arriscado. Mandou o rapaz para Santa Maria, na Região Central.
No dia 1º de junho de 2016, o adolescente foi executado no bairro Itararé. O inquérito ainda não foi encaminhado à Justiça, mas a Delegacia de Homicídios local já teria identificado a autoria. A suspeita é de que ele tenha sido morto a mando dos Bala na Cara.
Há pelo menos dois anos a polícia tenta barrar o fortalecimento do grupo na cidade. Mesmo assim, o bando conseguiu se estabelecer sobretudo na região oeste de Santa Maria, reduto de um traficante. No primeiro trimestre deste ano, 13 pessoas foram assassinadas. Uma estatística que vem se mantendo nos últimos três anos, mas com uma característica peculiar.
– Nos crimes relacionados à facção, notamos que os atiradores geralmente vêm de outros lugares, a mando e orientados por criminosos locais – explica o delegado Gabriel Zanella, da Delegacia de Homicídios de Santa Maria.
Outro sinal da presença do crime organizado na cidade, de acordo com o titular da Delegacia de Furtos, Roubos e Capturas de Santa Maria, delegado Sandro Meinerz, é a alta nas apreensões de maconha. Neste ano, 250kg da droga foram apreendidos só pela Polícia Civil. Nos últimos cinco anos, foram duas toneladas.
– Quando deflagramos a Operação Palco, em 2015, havia um plano bastante ousado de investimento da facção nessa região. Tentaram se estabelecer no Beco da Tela, que não é muito distante do centro da cidade. Despejariam drogas e colocariam integrantes da Região Metropolitana para tomar o controle dos pontos – relata.
Por trás do financiamento estava o assaltante José Carlos dos Santos, o Seco, vinculado aos Bala na Cara, que teria conhecido o traficante local, em Charqueadas. A partir de lá, comandavam a tomada da cidade na Região Central.
– Eles não conseguiram cumprir o plano que tinham, de dominar toda a região e controlar diversas áreas da cidade. Mas na mais empobrecida de Santa Maria, exercem poder. Tudo isso alimentado pelo que atraía o investimento do Seco: o potencial de consumo de maconha da cidade – explica o delegado.
O maior contragolpe contra o crime
Em abril deste ano, uma ação conjunta entre Polícia Civil, Ministério Público e Susepe transferiu 13 líderes do tráfico do presídio de Caxias do Sul para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). A ação, denominada Serrania, de acordo com o diretor do Departamento de Segurança e Execução Penal da Susepe, Ângelo Carneiro, é considerada o modelo ideal adotado atualmente para barrar o avanço das facções criminosas no Interior.
– Detectamos na Serra e em outras regiões uma facção que estava criando ramificações importantes a partir dos presídios. Agimos diretamente no foco do problema, tirando as lideranças do meio das massas. Hoje, na Pasc, eu asseguro que é possível isolar os presos e desarticular essas associações – destaca.
A Serra concentra um dos braços mais independentes da facção Os Manos. A investigação constatou que as lideranças haviam se unido e tomavam o controle tanto da cadeia quanto das ruas. Essa facção seria um dos motivos para a explosão dos homicídios em Caxias do Sul no ano passado, quando 150 pessoas foram assassinadas na cidade.
Agora, porém, a polícia investiga a possibilidade de consequências nas ruas da ação de abril. No último final de semana, quatro pessoas foram vítimas de uma chacina em uma casa que era usada como ponto de tráfico de drogas no bairro Pioneiro. Uma das linhas de investigação apura a possibilidade de criminosos ligados aos Bala na Cara terem executado o crime para tentar tomar o ponto dos rivais.
– Comprovando o aporte de mais uma facção criminosa e em disputa pelo mercado, nós alcançamos o mesmo patamar da Região Metropolitana. Precisamos nos preparar para este tipo de investigação, não somente do tráfico de drogas isolado, mas também quanto ao modo de ação destas facções – alerta o delegado Rodrigo Kegler Duarte, da Delegacia de Homicídios de Caxias do Sul.
Outra linha de investigação demonstraria que a ação de abril foi insuficiente para desarticular a facção. Seria uma represália do grupo contra traficantes locais que, na ausência dos líderes, teriam passado a traficar de maneira independente. Neste ano, Caxias do Sul já registrou 53 assassinatos.
Bando “exporta” o seu estilo
Aconteceu na saída da Rodoviária de Porto Alegre um dos capítulos da disputa de controle orquestrada por uma facção criminosa em São Borja, na Fronteira Oeste, em novembro passado. Bruno Dornelles Ribeiro, 24 anos, que fugia da cidade, acabou morto a tiros logo depois de desembarcar na Capital.
Conforme a apuração da Polícia Civil, o atirador era de Canoas e foi contratado a partir da cadeia, em Uruguaiana. Dias depois, o cunhado de Bruno, Pedro Antônio Martins Pereira, o Dóia, 45 anos, também foi executado, mas em São Borja. Era a eliminação de um foco de resistência aos Bala na Cara que persistia na região.
– São dois grupos que travavam uma guerra pelo controle do tráfico em uma parte da cidade junto ao porto. Não temos nenhuma investigação que demonstre até agora uma articulação mais organizada da facção criminosa para o uso do porto, apesar de encontrarmos muitas pistolas argentinas nas ruas – aponta o delegado Marcos Vianna.
A guerra de São Borja é muito semelhante às provocadas em áreas da Capital onde os Bala na Cara iniciaram sua atuação. Geralmente, um gerente do tráfico local é municiado para tomar o controle da quadrilha e passar a traficar com a facção. Neste caso, a polícia acredita que a ordem para as mortes tenha partido de um traficante da região, um dos gerentes nos pontos de tráfico mantidos em São Borja. Preso, passou um período em Charqueadas e voltou de lá como integrante da facção. Atualmente está preso em Uruguaiana.
Uma das suspeitas da polícia é de que o controle dos Bala na Cara em São Borja seja uma alternativa ao que já foi constatado em outras investigações com relação a Santana do Livramento, onde um criminoso preso na Região Metropolitana exercia o controle da entrada de armas no Estado em nome da facção.
O medo nas ruas
– É perturbador chegar ao local onde está um corpo e saber que conhecia aquele guri. Saber que ele morreu daquela forma violenta. A gente não quer se envolver, mas como chegamos quase na hora do crime, é difícil não ouvir alguma coisa, saber como aconteceu. Isso é muito ruim. Mudou muito a nossa rotina.
Quem conta a mudança é um dos funcionários da funerária de São José do Norte, na Região Sul, pedindo para não ser identificado. O município de 27 mil habitantes vive dias de tensão desde o começo do ano. Em apenas quatro meses, 14 pessoas foram assassinadas – 13, conforme a Polícia Civil, por crimes decorrentes da disputa entre facções. É quase o triplo de todos os homicídios registrados em 2016 no município.
A prefeitura chegou a decretar situação de emergência. Dois policiais reforçaram a equipe da delegacia local e a Brigada Militar fez algumas ações com o Pelotão de Operações Especiais (POE), de Rio Grande. Desde o mês passado não houve novos homicídios, mas quem disse que o medo diminuiu?
– Tivemos uma tentativa de homicídio da forma como a população mais teme. Foi uma senhora atingida nas pernas quando andava pela rua no momento em que um homem atirava contra outro. Isso assusta ainda mais as pessoas – aponta o delegado Ronaldo Coelho.
São José do Norte tornou-se este ano um último ponto sob disputa na Região Sul. Em plena expansão, um grupo criminoso de Rio Grande, ligado à facção Os Manos, teria financiado jovens traficantes locais para controlar a cidade. Isso acabou afugentando os rivais, que teriam recebido amparo dos Bala na Cara para tentar retomar os pontos.
Conforme a polícia, um traficante atualmente preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) conseguiu arregimentar um pequeno império. Tem controle absoluto na prisão e nas ruas de Rio Grande e aliou-se ao grupo local conhecido como Os Tauras, de Pelotas, para também ter influência na outra grande cidade da região.
A área concentra uma rota importante para a entrada de armas no Estado. A negociação com a facção na Região Metropolitana incluiria, conforme apontou mais de uma investigação policial do Vale do Sinos, o envio de carros roubados para o Sul, como moeda de troca por armas do Uruguai.
Cigarros contrabandeados viram “moeda”
A região produtora de fumo foi atingida diretamente pelo avanço das facções criminosas. Uma ação que até agora, porém, é observada nas ruas, comentada entre os moradores e a polícia, mas sem se transformar em denúncia. Traficantes estariam obrigando os pequenos comerciantes de bairros periféricos de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Lajeado, principalmente, a vender somente cigarros de uma marca específica, trazida em contrabando do Paraguai. Nas ruas, além da tradicional assinatura da facção Os Manos nos muros, encontra-se o logotipo “Grupo R7 filter cigarretes”, para marcar o território.
– Temos muitas informações de comerciantes coagidos a vender somente estes cigarros. Por outro lado, usuários de drogas também teriam a ordem nos pontos de tráfico para só fumar estes cigarros. A situação que constatamos na região é de que, quem não se enquadra nas regras da facção, sofre as retaliações. Já temos uma alta de 20% nos homicídios este ano – aponta o delegado Juliano Stobbe, de Lajeado.
Segundo Stobbe, o fato de a região ter uma economia pujante é atrativo para a facção da Região Metropolitana.
– Sabidamente, aqui está um mercado consumidor de cocaína – aponta.
O uso dos cigarros contrabandeados, vendidos quase à metade do preço dos cigarros legais, é a novidade. A polícia ainda investiga a situação, com o auxílio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), mas a suspeita é de que o fomento ao contrabando seja a forma de capitalizar os traficantes locais.
– A região fica no caminho para a Região Metropolitana pela BR-386. É a principal rota da droga e do contrabando do Paraguai. É bem provável que a facção esteja usando isso como forma de fazer caixa e garantir o controle desse ponto estratégico – explica o delegado.
A presença dos logotipos pela região começou a ser percebida no início deste ano. Desde então, pelo menos duas apreensões dos cigarros já foram feitas.
Bando domina cidade e explode três bancos
MARCELO KERVALT - * Colaboraram Vanessa Kannenberg e Vitor Rosa
ENCRUZILHADA DO SUL, no Vale do Rio Pardo, foi alvo de ladrões fortemente armados na sexta-feira. Grupo chegou a levar reféns, liberados pouco depois
Atordoada. Assim estava, na sexta-feira, Encruzilhada do Sul, cidade de 25,8 mil habitantes no Vale do Rio Pardo. Com a rotina completamente modificada pelas explosões em sequência de três agências bancárias, a comunidade varou a madrugada acompanhando a movimentação policial em busca do bando que aterrorizou o município e que, possivelmente, era comandado por Ivo Francisco dos Santos Assis, um dos mais procurados assaltantes de bancos do Rio Grande do Sul (leia ao lado).
A primeira agência atacada foi a do Sicredi, por volta de 0h30min. Em cima, mora a família do autônomo Ramiro Hopp, 30 anos:
– Quando começaram as explosões, achamos que eram foguetes. Assim que percebemos que eram tiros e explosivos, nos escondemos no quarto mais afastado dos caixas eletrônicos e lá ficamos, abaixados. Parecia que nunca ia parar. Ficaram aqui uma eternidade.
O bando, com cerca de 10 ladrões, todos vestindo roupas camufladas, coletes balísticos e toucas-ninjas, foi rendendo quem estava na rua e posicionando-os em trios ou duplas nas esquinas, formando diversos escudos humanos. Um grupo maior de reféns, obrigado a permanecer de mãos dadas, foi colocado de costas para as agências, dando proteção a quem implantava as dinamites.
Filipe Fonseca Soares, 25 anos, passeava de carro com dois amigos quando foi abordado pelo homem que seria o líder do ataque. O criminoso atirou contra o carro do bombeiro civil, furando o pneu e travando o veículo imediatamente.
– Pediu que a gente trocasse o pneu, mas quando viu um vazamento e que o carro não andava, mandou a gente ir para a frente do Sicredi – relata Soares.
ESCUDO HUMANO CONDUZIDO DE AGÊNCIA EM AGÊNCIA
Exaltado, esse assaltante gritava com os reféns, atirava para o alto e para o chão e apontava a arma para as pessoas. Estojos de fuzis calibres 556 e .30 foram encontrados no chão. Após o primeiro ataque, os criminosos conduziram os moradores até o Banco do Brasil e, repetindo o procedimento, chegaram ao Banrisul – as três agências ficam na mesma rua, a 500 metros uma da outra.
A ginecologista e obstetra Débora Clasen dos Santos, 34 anos, ia ao hospital da cidade quando estranhou ao ver, na quadra do Banrisul, pessoas caminhando de mãos dadas. Tão logo parou o carro, foi rendida e teve de se juntar ao grupo.
– Só pensava em sair dali. Torcia para que meu marido não fosse me procurar, que ninguém fosse morto.
Neste ponto, o líder parecia mais calmo. Perguntava sobre o efetivo da polícia na cidade e a existência de joalherias e dava dicas aos reféns mais próximos dos explosivos.
– Tapem os ouvidos, vai doer. Já sou meio louco, não preciso tapar – teria dito o ladrão acrescentando, em outro momento, um desabafo – O governo rouba lá, e nós aqui.
MESMO COM BARREIRAS E REFORÇO, NINGUÉM FOI PRESO
Antes de sair, os bandidos colocaram uma mulher sentada na janela do motorista de um I30, e a obstetra, na do carona. Com as pernas dentro do carro, ocupado por três criminosos, elas ficaram com as costas e a cabeça para a rua. Em um Corsa, roubado de um taxista, ficou outra mulher. Os dois veículos foram encontrados por volta de meio-dia na localidade de Cerro da Vigia, a 5 km do centro, em direção a Dom Feliciano. As três reféns foram libertadas dois quilômetros antes.
– Foi apavorante. Eles não falavam nada, mas eu estava com medo de cair – contou Débora.
O reforço de 30 brigadianos permitiu que barreiras fossem montadas nas saídas da cidade, mas ninguém foi preso. Por volta das 17h30min de sexta, o Grupamento de Ações Táticas Especiais (Gate) chegou para analisar uma possível dinamite que não havia explodido no Banco do Brasil. Ao todo, três caixas eletrônicos da instituição federal, dois do Sicredi e quatro do Banrisul foram arrombados. A quantia levada não foi informada.
O subcomandante da BM de Rio Pardo, que atende Encruzilhada do Sul, capitão Sílvio Silva, resumiu a impotência dos brigadianos da cidade ante o poder do bando:
– Os policiais ficaram no batalhão esperando reforço. Se fossem lá, seriam metralhados.
Suspeitos são investigados por outros cinco ataques
O bando que explodiu três agências bancárias em Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, na sexta- feira, é velho conhecido da Polícia Civil. Conforme a Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o grupo está envolvido em pelo menos outros cinco ataques no Rio Grande do Sul.
Os crimes investigados ocorreram nas cidades de Progresso, Pouso Novo, Boqueirão do Leão, Espumoso e Boa Vista do Buricá. Outros seis ataques semelhantes, em outros municípios, são apurados pelo Deic, mas não há a confirmação de que tenham sido cometidos pelos mesmos assaltantes. Pontos comuns são a violência e o uso de explosivos para arrebentar terminais eletrônicos.
Em todos os casos, segundo a investigação, as ofensivas teriam sido coordenadas por Ivo Francisco dos Santos Assis, o Ganso Baio, procurado desde 2012. Ele é condenado por roubo a banco em Carlos Barbosa, na Serra, no mesmo ano, e tem mandado de prisão em aberto por um crime em São Sepé. Soma penas que passam de 28 anos.
– Todos os ataques guardam a mesma característica, que partem da cabeça deste suspeito. Ele faz as execuções dos crimes, com domínio de uso de explosivos, armas longas e número grande de comparsas – diz o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Roubos.
Um dos bandidos mais procurados do Estado, Assis troca de endereço com frequência, o que, segundo Wagner, dificulta o trabalho da polícia:
– Ele costuma alternar bastante a região em que mora e ataca. Por vezes, vem na Região Metropolitana, mas age no Sul, Centro, Norte. Conhece muito o Interior.
Adolescente é morto a tiros por cadeirante dentro de hospital
Um adolescente identificado como Igor Soares Alves, 17 anos, foi morto a tiros dentro da Santa Casa de Caridade de Dom Pedrito por volta das 7h20min de sexta- feira. Ele acompanhava o avô, que está internado no hospital, e, armado com uma faca, teria entrado em outro quarto para acertar contas com um rapaz que havia entrado ferido a facadas depois de briga em uma festa na cidade.
De acordo com a apuração da Delegacia de Polícia de Dom Pedrito, no quarto estavam, além do rapaz esfaqueado e da namorada que o acompanhava, um cadeirante de 24 anos, identificado como Maicon Cunha Carvalho, com diversos antecedentes criminais por tentativas de homicídio, porte de arma e ameaça, além de um homem internado em estado grave. Foi ali dentro que os tiros contra Igor teriam sido disparados, depois de uma discussão.
ASSASSINO ACABOU DETIDO EM FLAGRANTE
O desafeto dele e a namorada escaparam enquanto o cadeirante atirava. Depois de atingir o ombro do adolescente, Carvalho ainda teria se movimentado com a cadeira de rodas até o corredor e interceptado a fuga de Alves, atingindo-o com disparo no peito, fatal. Cerca de cinco minutos depois, a Brigada Militar (BM) chegou ao hospital e prendeu o atirador em flagrante.
Conforme a polícia, Alves cumpria pena socioeducativa em Santa Maria e estava em visita à família em Dom Pedrito. Carvalho estava internado por complicações de saúde. Ele perdeu o movimento das pernas após ser baleado, justamente por um tio do adolescente, há cerca de uma década. A investigação acredita que o cadeirante aproveitou a oportunidade para se vingar. Teria entrado no hospital com a arma, um revólver calibre 32, escondido na cadeira de rodas.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As "formas de barrar as facções - Novos presídios, Isolamento de lideranças, PMs nas ruas, Regionalização das apurações policiais e as Parcerias" - contemplam apenas uma parte das estratégias, insuficiente para punir o crime e barrar as facções. O Estado Democrático de Direito exige a força da Lei e da Justiça onde as forças policiais e a execução penal são partes de um sistema de justiça criminal que precisa ser presente, ágil, coativo e responsável. No Brasil, o crime é alimentado por leis obscuras e permissivas, justiça leniente e lerda, penas brandas, fronteiras porosas e despoliciadas, polícias mal pagas e sucateadas, e execução penal desumana, irresponsável e negligente na finalidade da pena e nos objetivos da execução. Sem a força da lei e da justiça para coibir e dissuadir o crime e sem uma execução penal humana e responsável que atenda a finalidade da pena e os objetivos da execução, as facções NÃO serão detidas.
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Atordoada. Assim estava, na sexta-feira, Encruzilhada do Sul, cidade de 25,8 mil habitantes no Vale do Rio Pardo. Com a rotina completamente modificada pelas explosões em sequência de três agências bancárias, a comunidade varou a madrugada acompanhando a movimentação policial em busca do bando que aterrorizou o município e que, possivelmente, era comandado por Ivo Francisco dos Santos Assis, um dos mais procurados assaltantes de bancos do Rio Grande do Sul (leia ao lado).
A primeira agência atacada foi a do Sicredi, por volta de 0h30min. Em cima, mora a família do autônomo Ramiro Hopp, 30 anos:
– Quando começaram as explosões, achamos que eram foguetes. Assim que percebemos que eram tiros e explosivos, nos escondemos no quarto mais afastado dos caixas eletrônicos e lá ficamos, abaixados. Parecia que nunca ia parar. Ficaram aqui uma eternidade.
O bando, com cerca de 10 ladrões, todos vestindo roupas camufladas, coletes balísticos e toucas-ninjas, foi rendendo quem estava na rua e posicionando-os em trios ou duplas nas esquinas, formando diversos escudos humanos. Um grupo maior de reféns, obrigado a permanecer de mãos dadas, foi colocado de costas para as agências, dando proteção a quem implantava as dinamites.
Filipe Fonseca Soares, 25 anos, passeava de carro com dois amigos quando foi abordado pelo homem que seria o líder do ataque. O criminoso atirou contra o carro do bombeiro civil, furando o pneu e travando o veículo imediatamente.
– Pediu que a gente trocasse o pneu, mas quando viu um vazamento e que o carro não andava, mandou a gente ir para a frente do Sicredi – relata Soares.
ESCUDO HUMANO CONDUZIDO DE AGÊNCIA EM AGÊNCIA
Exaltado, esse assaltante gritava com os reféns, atirava para o alto e para o chão e apontava a arma para as pessoas. Estojos de fuzis calibres 556 e .30 foram encontrados no chão. Após o primeiro ataque, os criminosos conduziram os moradores até o Banco do Brasil e, repetindo o procedimento, chegaram ao Banrisul – as três agências ficam na mesma rua, a 500 metros uma da outra.
A ginecologista e obstetra Débora Clasen dos Santos, 34 anos, ia ao hospital da cidade quando estranhou ao ver, na quadra do Banrisul, pessoas caminhando de mãos dadas. Tão logo parou o carro, foi rendida e teve de se juntar ao grupo.
– Só pensava em sair dali. Torcia para que meu marido não fosse me procurar, que ninguém fosse morto.
Neste ponto, o líder parecia mais calmo. Perguntava sobre o efetivo da polícia na cidade e a existência de joalherias e dava dicas aos reféns mais próximos dos explosivos.
– Tapem os ouvidos, vai doer. Já sou meio louco, não preciso tapar – teria dito o ladrão acrescentando, em outro momento, um desabafo – O governo rouba lá, e nós aqui.
MESMO COM BARREIRAS E REFORÇO, NINGUÉM FOI PRESO
Antes de sair, os bandidos colocaram uma mulher sentada na janela do motorista de um I30, e a obstetra, na do carona. Com as pernas dentro do carro, ocupado por três criminosos, elas ficaram com as costas e a cabeça para a rua. Em um Corsa, roubado de um taxista, ficou outra mulher. Os dois veículos foram encontrados por volta de meio-dia na localidade de Cerro da Vigia, a 5 km do centro, em direção a Dom Feliciano. As três reféns foram libertadas dois quilômetros antes.
– Foi apavorante. Eles não falavam nada, mas eu estava com medo de cair – contou Débora.
O reforço de 30 brigadianos permitiu que barreiras fossem montadas nas saídas da cidade, mas ninguém foi preso. Por volta das 17h30min de sexta, o Grupamento de Ações Táticas Especiais (Gate) chegou para analisar uma possível dinamite que não havia explodido no Banco do Brasil. Ao todo, três caixas eletrônicos da instituição federal, dois do Sicredi e quatro do Banrisul foram arrombados. A quantia levada não foi informada.
O subcomandante da BM de Rio Pardo, que atende Encruzilhada do Sul, capitão Sílvio Silva, resumiu a impotência dos brigadianos da cidade ante o poder do bando:
– Os policiais ficaram no batalhão esperando reforço. Se fossem lá, seriam metralhados.
Suspeitos são investigados por outros cinco ataques
O bando que explodiu três agências bancárias em Encruzilhada do Sul, no Vale do Rio Pardo, na sexta- feira, é velho conhecido da Polícia Civil. Conforme a Delegacia de Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o grupo está envolvido em pelo menos outros cinco ataques no Rio Grande do Sul.
Os crimes investigados ocorreram nas cidades de Progresso, Pouso Novo, Boqueirão do Leão, Espumoso e Boa Vista do Buricá. Outros seis ataques semelhantes, em outros municípios, são apurados pelo Deic, mas não há a confirmação de que tenham sido cometidos pelos mesmos assaltantes. Pontos comuns são a violência e o uso de explosivos para arrebentar terminais eletrônicos.
Em todos os casos, segundo a investigação, as ofensivas teriam sido coordenadas por Ivo Francisco dos Santos Assis, o Ganso Baio, procurado desde 2012. Ele é condenado por roubo a banco em Carlos Barbosa, na Serra, no mesmo ano, e tem mandado de prisão em aberto por um crime em São Sepé. Soma penas que passam de 28 anos.
– Todos os ataques guardam a mesma característica, que partem da cabeça deste suspeito. Ele faz as execuções dos crimes, com domínio de uso de explosivos, armas longas e número grande de comparsas – diz o delegado Joel Wagner, da Delegacia de Roubos.
Um dos bandidos mais procurados do Estado, Assis troca de endereço com frequência, o que, segundo Wagner, dificulta o trabalho da polícia:
– Ele costuma alternar bastante a região em que mora e ataca. Por vezes, vem na Região Metropolitana, mas age no Sul, Centro, Norte. Conhece muito o Interior.
Adolescente é morto a tiros por cadeirante dentro de hospital
Um adolescente identificado como Igor Soares Alves, 17 anos, foi morto a tiros dentro da Santa Casa de Caridade de Dom Pedrito por volta das 7h20min de sexta- feira. Ele acompanhava o avô, que está internado no hospital, e, armado com uma faca, teria entrado em outro quarto para acertar contas com um rapaz que havia entrado ferido a facadas depois de briga em uma festa na cidade.
De acordo com a apuração da Delegacia de Polícia de Dom Pedrito, no quarto estavam, além do rapaz esfaqueado e da namorada que o acompanhava, um cadeirante de 24 anos, identificado como Maicon Cunha Carvalho, com diversos antecedentes criminais por tentativas de homicídio, porte de arma e ameaça, além de um homem internado em estado grave. Foi ali dentro que os tiros contra Igor teriam sido disparados, depois de uma discussão.
ASSASSINO ACABOU DETIDO EM FLAGRANTE
O desafeto dele e a namorada escaparam enquanto o cadeirante atirava. Depois de atingir o ombro do adolescente, Carvalho ainda teria se movimentado com a cadeira de rodas até o corredor e interceptado a fuga de Alves, atingindo-o com disparo no peito, fatal. Cerca de cinco minutos depois, a Brigada Militar (BM) chegou ao hospital e prendeu o atirador em flagrante.
Conforme a polícia, Alves cumpria pena socioeducativa em Santa Maria e estava em visita à família em Dom Pedrito. Carvalho estava internado por complicações de saúde. Ele perdeu o movimento das pernas após ser baleado, justamente por um tio do adolescente, há cerca de uma década. A investigação acredita que o cadeirante aproveitou a oportunidade para se vingar. Teria entrado no hospital com a arma, um revólver calibre 32, escondido na cadeira de rodas.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - As "formas de barrar as facções - Novos presídios, Isolamento de lideranças, PMs nas ruas, Regionalização das apurações policiais e as Parcerias" - contemplam apenas uma parte das estratégias, insuficiente para punir o crime e barrar as facções. O Estado Democrático de Direito exige a força da Lei e da Justiça onde as forças policiais e a execução penal são partes de um sistema de justiça criminal que precisa ser presente, ágil, coativo e responsável. No Brasil, o crime é alimentado por leis obscuras e permissivas, justiça leniente e lerda, penas brandas, fronteiras porosas e despoliciadas, polícias mal pagas e sucateadas, e execução penal desumana, irresponsável e negligente na finalidade da pena e nos objetivos da execução. Sem a força da lei e da justiça para coibir e dissuadir o crime e sem uma execução penal humana e responsável que atenda a finalidade da pena e os objetivos da execução, as facções NÃO serão detidas.