ZERO HORA 23 de dezembro de 2012 | N° 17292
CRIME ORGANIZADO
FRANCISCO AMORIM
Pastor das igrejas Rosa de Sarom e Assembleia de Deus, Clóvis Ribeiro, 41 anos, gasta horas do dia pregando a Bíblia pela periferia de cidades serranas. É respeitado e querido entre os evangélicos.
– Ele sempre fala com emoção que devemos seguir o caminho do bem – diz um amigo.
Há quatro anos, Ribeiro, que é paulista de Santos, vinha levando uma vida sem sobressaltos com a mulher e as duas filhas – uma adolescente de 14 anos e uma jovem de 18 anos – em uma cobertura no centro de Gramado, avaliada pelo mercado local em cerca de R$ 1,2 milhão.
No início da manhã de sexta-feira, porém, uma outra face do pastor Clóvis tornou-se pública. Com um mandado de prisão nas mãos, investigadores da Polícia Civil prenderam Nai, como Clóvis é conhecido no mundo do crime. Ele é definido pelo delegado paulista Ivaney Carlos de Souza como um dos “maiores traficantes de São Paulo”. Uma das suspeitas alimentadas há anos contra Nai é de que lave dinheiro obtido com o tráfico de armas para a guerrilha colombiana Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a mais antiga guerrilha da América em atividade. Em 1º de setembro de 2005, foi interrogado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Armas da Câmara Federal. Ele negou, mas a suspeita é de que remetesse armas para os guerrilheiros colombianos em troca de droga.
A prisão de Nai deixou incrédula uma comunidade.
– Eu o conheci há cerca de quatro anos, mas há pouco mais de um ano nos aproximamos mais e ele começou a participar das nossas atividades. Ajudava como todos aqui, fazia as contribuições – surpreendeu-se Osvaldir Santos, pastor da Rosa de Sarom em Canela.
A associação com a imagem do bom pastor é a mais comum feita entre comerciantes das redondezas do prédio onde Nai morava. Era comum vê-lo dentro de lojas tentando angariar fiéis.
Pastor com sotaque paulista, Nai apreciava passear com a família na Rua Coberta, comia em bons restaurantes, mas sem ostentação. Apesar de discreto, revelava a vizinhos que tinha negócios em São Paulo – mas nunca os detalhava. Para os pastores mais chegados, confidenciava alugar lojas em Gramado. Quando não estava em viagem, Nai era visto com frequência no estacionamento do prédio onde reside falando ao telefone.
– Ele parecia dar ordens e falava em cidades de fora daqui – conta um vizinho.
À noite, saía com bastante frequência. Segundo informava aos vizinhos, ia participar de cultos. Na maioria das vezes, saía e retornava sozinho.
Imagens encontradas em seu iPad indicam que Nai estava adaptado ao Sul. Havia trocado a moranga com camarão, seu prato preferido no litoral paulista, pelo churrasco de rês. Para matar a saudade da culinária da terra de origem, a receita com frutos do mar era preparada em casa, como revelam alguns vídeos.
O material apreendido pela Polícia Civil ainda sugere que Nai parecia feliz com a nova vida. Fotos localizadas em pastas do mesmo iPad mostram que ele não se incomodava em ser fotografado em sua rotina de pastor ao lado de fiéis e outros ministros.
– Ele vivia uma vida normal, sem despertar atenções – resume o delegado Gustavo Barcellos, que foi o responsável pela captura de Nai.
No entardecer de sexta-feira, Nai trocou o cenário de Gramado por uma cela na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).
Um homem metódico
O traficante Clóvis Ribeiro é um homem organizado. Os documentos apreendidos pela polícia estavam guardados em caixas, sacos plásticos ou pastas. Tudo etiquetado e separado por data. Alguns, com mais de de uma década, sequer estão amarelados. Até uma foto 3x4 sua, encontrada dentro da carteira que portava, estava protegida por um pequeno pedaço de papel, cuidadosamente cortado e dobrado.
Tanta disciplina pode acabar ajudando a investigação policial a encontrar pistas de supostos crimes cometidos por Nai. O material será encaminhado ao Ministério Público de São Paulo, que denunciou o traficante.
Antes, porém, cada folha será analisada pela equipe de policiais da Serra.
– Vamos verificar também, a partir desse material apreendido no apartamento, se ele contava com ajuda de outras pessoas aqui na região – diz a delgada regional Elisangela Reghelin.
Apesar de contar a pessoas próximas que era proprietário do imóvel em que residia, documentos indicam que ele paga R$ 4 mil pelo aluguel para uma imobiliária de Santos.
Entre os documentos recolhidos pelos agentes na manhã de sexta-feira, estão cópias de cartas manuscritas, possivelmente escritas por ele, em que trechos de processos contra o traficante são analisados em detalhe. As cartas afirmam que teriam ocorrido distorções entre o que ele falava ao telefone e o que havia sido transcrito para o papel pelas autoridades policiais na época das investigações.
Viagens de negócio e amigos paulistas
Sem esconder o sotaque paulista, Nai optou por tornar pública parte da vida que deixou para trás no centro do país.
Aos amigos mais próximos, dizia-se empreendedor e dono de alguns negócios em Santos (SP), para onde viajava com frequência. Com a estratégia, tentava escapar de olhares desconfiados. Apesar disso, suas viagens rotineiras chamavam a atenção de muitos vizinhos.
– Ele pegava o transfer até Porto Alegre. Sempre com uma maletinha e sempre sozinho – conta um morador das redondezas.
As visitas rápidas de gente de fora aguçam, agora, a curiosidade de quem nunca desconfiou do pastor.
– Era comum placas de fora, de São Paulo. O pessoal ficava uma, duas horas. A gente nunca desconfia – conta outro vizinho.
As atividades de Nai em São Paulo ainda são desconhecidas da polícia gaúcha. Informalmente ao delegado que o prendeu, ele teria dito que seriam 11 as suas empresas.
– Pelos documentos apreendidos, parece que ele é proprietário de um galpão onde funcionava uma igreja e um estacionamento na zona portuária. Mas só uma análise detalhada vai nos revelar mais – conta o delegado Gustavo Barcellos, da Delegacia da Polícia Civil de Gramado.
Cópias de declarações feitas à Receita Federal entre 2002 e 2004 indicam renda anual entre R$ 54 mil e R$ 150 mil e a posse de pelos menos sete imóveis.
No material apreendido, estavam cópias de livros-caixas e milhares de boletos de um estacionamento que seria de propriedade de Nai na zona portuária de Santos.
– Vamos analisar essas anotações financeiras para descobrir do que se trata – conta o delegado.
Junto à documentação apreendida, estavam ainda outras provas de uma relação estreita de Nai com o porto de Santos, que podia estar sendo usado por ele para seus negócios ilegais. Entre elas, cópias de documentos que revelam que Nai chegou a ser, por muitos anos, um estivador sindicalizado. Ou seja, tinha acesso liberado à área interna do maior porto da América Latina.
Com extratos financeiros que indicam saldos superiores a R$ 70 mil, Nai mantinha pouco dinheiro vivo em casa, mas portava em sua carteira de couro preta vários cartões de crédito, que dividiam espaço com as credencias de ministro das igrejas Rosa de Sarom e da Assembleia de Deus, ambas expedidas em 2005 e que facilitam o acesso ao pastor ao interior dos presídios.
Recentemente, tirou nova carteira de identidade no Rio Grande do Sul – como o banco de dados dos Estados não se relacionam, não encontrou dificuldades. Em setembro, renovou a habilitação em solo gaúcho.