segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

GUERRA DAS FACÇÕES EM POA




GAÚCHAZH 15-03-2019

Como se dá a guerra das facções pelo tráfico de drogas em Porto Alegre. Em disputas territoriais, facções rivais eliminam adversários com extrema violência



A facção Bala na Cara — cujo funcionamento foi revelado às autoridades por um delator —, desde a sua criação, no bairro Bom Jesus, na segunda metade da década passada, sempre teve a violência como principal característica. O nome Bala na Cara não é por acaso. Nas origens, seus integrantes costumavam eliminar rivais com o chamado tiro de esculacho, dado no rosto, para que o velório fosse com caixão fechado.


A trajetória do grupo da zona leste de Porto Alegre, que começou com assaltos, antes da migração para o tráfico de drogas, inclui um período em que agiam como braço armado de outra facção, Os Manos, do Vale do Sinos, cometendo homicídios por encomenda e mediante pagamento.


A partir do início dos anos 2010, com planos de crescimento, os líderes decidiram transformar seu negócio em uma facção de fato, com o tráfico como atividade principal. A expansão ocorreu de duas formas principais: a cooptação de donos de bocas de fumo que agem de forma individual e a tomada de pontos de vendas de drogas na base da intimidação ou da violência, com homicídios e até chacinas, inclusive de inocentes.


Esse segundo método acabou provocando reação de parte das facções rivais. Para combater os "toma bocas", como os Bala na Cara ficaram conhecidos pelos inimigos, no início de 2016, foi criada a coalizão de grupos ligados às drogas e, até então, independentes. A união teve como base a quadrilha dos V7 — criada na Vila 27, no bairro Santa Tereza, zona sul da Capital, também na década passada.


À coalizão, foi dado o nome de Anti-Bala. Em sua primeira ação, já ficou explícito que usaria o mesmo expediente dos rivais: a extrema violência. Em janeiro daquele ano, sequestrou o jovem Jeferson Lapuente, 22 anos, que seria integrante dos Bala na Cara, e o decapitou. O corpo, enrolado por um edredom com os dizeres "Bala nos Bala", foi deixado no bairro Mario Quintana. A cabeça, dentro de uma caixa, foi largada no bairro Bom Jesus. O recado foi nítido e a guerra estava decretada.


A partir daquela morte, Porto Alegre e cidades próximas, ao longo de 2016 e 2017, tiveram, pelo menos, 16 casos de decapitações e esquartejamentos. O número de homicídios disparou. De acordo com Atlas da Violência, levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados de 2016, Viamão, com 77,1 casos de homicídios para cada 100 mil habitantes, foi a 21ª cidade mais violenta do país. Alvorada, com 71,8, ficou em 30º lugar. Também apareceram no indesejado ranking dos cem municípios mais violentos Porto Alegre (66º, com 58,1) e Sapucaia do Sul (98º, com 50,4).


A Capital teve recorde de assassinatos em 2016. Foram 722 ocorrências e 792 vítimas, de acordo com cifras oficiais. O número pode ter sido maior, pois muitos corpos da guerra do tráfico não são localizados. Diante das elevadas taxas de violência, autoridades decidiram adotar medidas mais severas no combate ao crime.


Em janeiro de 2017, quando foi preso no Paraguai, Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, 36 anos, apontado como um dos líderes dos Anti-Bala (a partir de um núcleo do bairro Vila Jardim), foi enviado para uma penitenciária federal. O mesmo destino foi dado, dois meses depois, a José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca, 36 anos, apontado como líder dos Bala na Cara na Vila Safira, no bairro Mario Quintana.


As duas transferências serviram como balão de ensaio para a Operação Pulso Firme que, em julho de 2017, determinou a remoção de outros 27 presos que, de acordo com investigações, ocupam posições chave em facções do Estado. Os casos de homicídio caíram na Capital em 2017: foram registradas 585 ocorrências com 666 vítimas. A queda acentuou-se em 2018 para 458 casos e 539 mortes.


A tendência de redução nos assassinatos está sendo mantida em 2019. Principalmente naqueles cometidos com crueldade. Mas as facções não foram desarticuladas. Em busca de novos mercados, expandiram-se para o Interior. Além disso, passaram a disputar o mercado excedente não atendido pela liberação da maconha no Uruguai. Com isso, aumentaram os homicídios no país vizinho.


Mesmo que os órgãos de segurança tenham intensificado o combate ao crime organizado, atacando principalmente a lavagem de dinheiro, os grupos mantêm o poderio bélico e seguem faturando com o tráfico de drogas e crimes relacionados.


É um barril de pólvora que pode ser detonado a qualquer momento.