terça-feira, 27 de agosto de 2019

COMO NASCEM FACÇÕES COMO O PCC ECV?



"Como nascem facções como PCC e Comando Vermelho, alvos preferenciais de Moro

Kelli Kadanus. Brasília

GAZETA DO POVO 24/05/2019



Ninguém sabe ao certo quantas facções criminosas existem no Brasil, mas o tamanho do problema gerado por esse tipo de crime organizado é praticamente um consenso quando se fala em segurança pública. Não há, por enquanto, nenhum levantamento oficial sobre facções, mas o Ministério da Segurança Pública estimou, no ano passado, que existam cerca de 70 organizações espalhadas pelo país. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, por sua vez, sinalizou a ação de pelo menos 37 diferentes facções em todo o território nacional.


Não por acaso, o combate ao crime organizado foi definido como prioridade pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, para sua gestão à frente da pasta, ao lado do combate à corrupção - tema caro ao ministro, que é ex-juiz da Lava Jato. Já no início do ano, a pasta comandada por Moro coordenou uma operação que envolveu 17 órgãos diferentes para a transferência de 22 lideranças do PCC para presídios federais, de segurança máxima, dando a tônica de como o governo federal deve agir em relação a essas organizações.


Para tentar neutralizar as facções criminosas, porém, é preciso entender como elas surgiram, em primeiro lugar. O berço das principais facções criminosas do Brasil, principalmente o PCC, apontada como a maior do país, pode dar muitas pistas do que pode ser feito para combatê-las.


Condições desumanas dos presídios?

Um dos fatores amplamente difundidos para explicar o surgimento das facções criminosas como conhecemos atualmente é a condição desumana a qual os presos estavam submetidos nos presídios, principalmente em São Paulo.

O sociólogo Gabriel Feltran estudou in loco, na periferia de São Paulo, o modo de atuação do PCC e publicou um livro sobre o surgimento e funcionamento da facção, intitulado ‘Irmãos: uma história do PCC’.


“O PCC nasceu na cadeia, um ano depois do Massacre do Carandiru”, afirma o sociólogo na obra. “Reivindicava reação à opressão do sistema contra os presos, mas também do preso contra o preso. Legitimou sua autoridade no cárcere por aplicar medidas expressas de interdição do estupro, do homicídio considerado injusto e, posteriormente, do crack das prisões sob seu regime. Firmou-se como interlocutor entre os gestores e funcionários dos presídios porque a disciplina estrita que introduzia nas suas unidades prisionais lhes era funcional”, descreve Feltran.


Desigualdade social e estratégia de controle da população pobre


Além do tratamento degradante nos presídios, sociólogos e antropólogos que estudam violência arriscam outras explicações para o surgimento - e fortalecimento - de facções criminosas como o PCC.

Para o professor de antropologia do direito e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (UnB), Welliton Caixeta Maciel, a desigualdade social é um dos fatores que ajuda a explicar o fortalecimento de facções.

“[O surgimento de facções] passa pela estrutura de Estado baseado na diferença de classes, de etnias, pela própria constituição do Estado em si. É essa ausência do Estado em prover trabalho, moradia, educação, saúde, habitação digna, saneamento básico, transporte”, explica.

Para a professora do departamento de sociologia da UnB e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da universidade, Analía Sória Batista, as facções também têm origem em uma tentativa de controle social do Estado.

“Se você observa, as gangues prisionais surgiram em São Paulo na década de 1970 e 1980 e muitos estudos frisam que essas gangues se formaram devido às condições desumanas dos presídios. Eu não vou negar essa realidade, mas ao mesmo tempo, quando você observa o fenômeno em perspectiva histórica até o momento atual, você vê que também houve uma espécie de estratégia do Estado no sentido de controlar determinada população, que são os jovens, negros, pobres”, explica a pesquisadora. “O Estado acaba exercendo uma espécie de reprodução desses jovens na criminalidade e depois, como todo mundo sabe, de extermínio”, diz.

Para Analía, as condições desumanas dos presídios são uma explicação incompleta para o surgimento dessas organizações. “Eu penso muito no problema do controle social que o Estado exerce para poder tentar responder a esta questão: por que essa população especificamente [jovens, negros, pobres] está nos presídios? É praticamente uma estratégia de eliminação dessa população”, afirma.

Maciel tem uma visão parecida sobre o surgimento das facções a partir de uma desigualdade produzida pelo Estado. “Basta olhar o perfil de quem está preso, é negro, pobre, jovem. Essa população marginalizada que se articulou”, ressalta.

No livro que escreveu sobre o PCC, Feltran chega a uma conclusão parecida depois de estudar o tema in loco. “Pesquisas recentes vêm corroborando o que as mães de jovens presos e mortos, policiais e ladrões já sabem: desigualdade brutal, mercados ilegais não regulados e repressão aos pequenos operadores formam uma combinação explosiva, que causa muito mais prejuízo do que ganho à ordem pública”, diz o autor. “A coletivização do crime, em toda a América Latina, nutre-se desse contexto. O PCC talvez seja o fruto mais evidente desses três elementos juntos, e sua expansão foi favorecida, ao contrário do que acontece com outras facções, pela estrutura extremamente engenhosa que elegeram para se organizar”, completa.



Facções são legitimadas onde o Estado não chega



Além de pensar no surgimento das facções, é preciso analisar como elas se fortaleceram a ponto de chegarem a se tornar um problema tão grave no Brasil. “O PCC, com suas regras, acaba sendo legitimado não apenas pelo crime, como pela comunidade onde ele atua”, explica Maciel.

Feltran traz um bom panorama de como o PCC é legitimado pela sociedade sob sua influência. Depois de ser legitimado dentro das cadeias pelos presos e funcionários do Estado, ao levar uma paz negociada às unidades prisionais, a oferta de justiça e segurança eficientes à comunidade é um dos fatores dessa legitimação fora do cárcere, diz o sociólogo. Enquanto a polícia e a justiça oficial levam anos para concluir um inquérito que investiga um assassinato, por exemplo, o PCC, depois de um debate ouvindo os envolvidos, decide o que é “justo” em algumas horas.

“É essa eficiência que convence uma parte da população, não por acaso a mais pobre dela, de que o PCC pode ser uma instância de recurso à justiça melhor do que a polícia, a justiça oficial, o Estado como um todo. Não estou advogando por uma justiça sumária nesses moldes criminais, evidentemente. O que ressalto é o mecanismo de produção de uma justiça que se apresenta como “eficiente”, de fato disponível aos moradores da cidade, coisa que as camadas mais pobres - e mais negras - das periferias do país nunca experimentaram”, ressalta o autor em seu livro.


O Estado perdeu o controle dos presídios ou esse controle nunca existiu?


Diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) - órgão subordinado ao Ministério da Justiça -, Fabiano Bordignon defende que, para enfrentar as facções criminosas, o mais urgente é recuperar o controle dos presídios e retirar os presos da influência de lideranças das facções.

“Nós precisamos trabalhar com a retomada de controle. Precisamos conhecer melhor quem são os presos do Brasil. A maioria dos presos do Brasil não são faccionados, mas estão sob influência de facções. Então, nós precisamos retirar essa influência e colocar a influência do Estado. O Estado tem que influenciar esses presos”, reconhece Bordignon.

Maciel e Analía, porém, discordam. Para eles, os governos não perderam o controle dos presídios. Na verdade, segundo os pesquisadores, esse controle nunca existiu. “[O fortalecimento das facções] não foi porque o Estado perdeu o controle das prisões, o Estado nunca teve [esse controle] porque ele sempre fechou os olhos para a prisão”, diz Maciel, reforçando o argumento de que a desigualdade social é um elemento propulsor do surgimento das facções.

“Eu não acho que o Estado tenha perdido o controle das prisões. Eu acho, primeiro, que alguns representantes do Estado negociam frequentemente com as lideranças das gangues nos presídios. Há uma permissão para que essas lideranças continuem, dentro dos presídios, com as mesmas atividades criminosas que as levaram à prisão. É uma contradição”, ressalta Analía.

Bordignon reconhece que há uma ausência histórica dos órgãos do Estado dentro dos presídios. “É uma ausência histórica do Brasil na questão prisional”, disse. “Em 1976 foi a primeira CPI do Congresso Nacional sobre o sistema carcerário. Se a gente for ler os resultados da CPI, já se falava em superlotação, já se falava em falta de trabalho, de uma especialização no sistema penitenciário, e é exatamente esse tipo de problema que foi se avolumando e chegou nesse momento em que as organizações criminosas que surgiram no cárcere extrapolaram as fronteiras e começam a cada vez mais repercutir em altos índices de criminalidade no Brasil”, completa o diretor do Depen.


Ao tentar sufocar facções, Estado deu mais força às organizações


No início deste ano, o Ministério da Justiça coordenou as operações Império I e Império II, nas quais 22 líderes do PCC foram transferidos de São Paulo para presídios federais. Entre os presos transferidos estava Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, apontado como líder máximo da facção. Marcola foi transferido para Rondônia na operação Império I, e posteriormente para Brasília, na operação Império II.

Para Maciel, a transferência de presos faccionados para outros estados, uma tentativa de sufocar as facções, acabou dando mais força às organizações. “As facções nascem a partir de São Paulo, dentro das condições carcerárias, dentro dos presídios paulistanos e depois esse crime cresce e vai se alastrando, e o Estado, em uma tentativa de desarticular, acaba contribuindo para a propagação e fortalecimento”, explica o pesquisador.

“Exemplo disso é o RDD [Regime Disciplinar Diferenciado], que o Estado criou na tentativa de desarticular [as facções], tirando as principais lideranças desses presídios e mandando para outros estados. Isso fez com que as facções ganhassem ainda mais poder e mais força e conseguissem alastrar seus tentáculos”, resume Maciel.

A estratégia adotada pelo atual governo federal, porém, é diferente, garante o coordenador-geral de Combate ao Crime Organizado da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça, Wagner Mesquita. “Deslocar componentes de organização criminosa para presídios federais, onde há um controle maior de comunicação, isso já era praxe. O grande diferencial é que isso foi feito com uma liderança máxima, que durante muito tempo se acreditou que era melhor estar por perto e tendo uma vigilância mais de perto. E houve um rompimento total”, disse Mesquita. “O Marcola está até agora no RDD. Ele está sem banho de sol e sem visita até hoje. Desde aquele dia, ele não falou com mais ninguém. Agora o controle em cima dele é muito maior”, completa.



Medidas para combater as facções


Para Bordignon, o enfrentamento às facções passa por mais investimentos no sistema carcerário, na construção de novas unidades e na abertura de novas vagas, entre outras medidas. “A gente tem que trabalhar com a retomada de controle e maximização, abertura de novas vagas para melhorar a questão da gerência das vagas, dos presos, evitar o retorno do preso ao sistema prisional quando sai. São várias medidas que precisam ser tomadas. Medidas executivas, que podem ser feitas pelo próprio ministério, pelo Departamento Penitenciário, e legislativas, com o pacote anticrime”, avalia o diretor do Depen.

Para Analía, porém, o pacote anticrime proposto por Moro ao Congresso Nacional agrava o problema, ao invés de resolvê-lo. A pesquisadora critica, principalmente, o trecho do projeto que trata da legítima defesa e do excludente de ilicitude para policiais que matam em serviço.

“A polícia mata muito, e também está morrendo muito, é uma tragédia. Morre a polícia, morre os integrantes de facções. Vai se criando uma questão da vingança. Mata-se um policial e vem a vingança da polícia. E vice-versa. O mesmo acontece no sistema penitenciário”, explica Analía. “O pacote anticrime, a minha maior preocupação é que se os jovens, negros e pobres já vem sendo eliminados, o que vai acontecer com praticamente uma promoção desse exercício? Eu acho bastante trágico”, completa.

Para Maciel, há duas estratégias que devem ser adotadas para combater a influência das facções criminosas no Brasil. A primeira é o abandono da política de guerra às drogas. “A guerra às drogas é o pano de fundo que o Estado usa para eliminar esse estrato da população [negro, pobre]. Esse é o discurso do Estado hoje”, explica.

“A outra forma seria reestruturando o sistema penitenciário, pensando em meios de cumprimento de pena menos desumanos e formas alternativas, com tornozeleira eletrônica e outros meios de cumprimento de pena em meio aberto. Seria uma forma de desarticular o crime, diminuir essa população carcerária, que hoje é um verdadeiro exército para o crime”, defende o pesquisador.

A conclusão de Irmãos: Uma história do PCC traz uma reflexão parecida. “Mesmo que não todas, a grande maioria das pessoas só escolhe vender drogas na esquina se não puder ter outra ocupação. Quando o rapaz que as vende por ali é preso, surge no dia seguinte um novo traficante trabalhando em seu lugar, além de um presidiário onerando os cofres públicos enquanto se profissionaliza no crime. Tem-se mais do que isso. Duas semanas depois, um terceiro rapaz está trabalhando naquela esquina, e dois meninos estarão sob a mira dos “responsas” pelo recrutamento das facções, dentro da cadeia”, explica Feltran.

“Mais investimento nessa repressão, mais Justiça Criminal funcionando, mais prisões efetuadas, e a máquina crime-segurança gira mais depressa. Seu mecanismo é composto justamente por essas engrenagens”, argumenta o sociólogo."

COMO AS FACÇÕES GANHARAM FORÇA

Presos rebelados tomam conta da penitenciária de Cascavel, no Paraná.

Como o modelo de facção se nacionalizou e o crime organizado ganhou força no país

Kelli KadanusBrasília

GAZETA DO POVO 04/06/2019] 


O pano de fundo da última chacina que ocorreu no sistema prisional do Amazonas é um racha interno dentro de uma facção regional do estado, a Família do Norte (FDN). Em maio, foram 55 mortes em cadeias do estado por causa de uma briga entre os faccionados. No início do ano, o Ceará passou por uma grave crise na segurança pública comandada por outra facção regional, a Guardiões do Estado (GDE), que atua por lá. Os dois casos têm em comum a atuação de gangues regionais, que se expandem a partir do modelo adotado pelo PCC e Comando Vermelho (CV) nos presídios de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública lançado no ano passado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao menos 37 facções prisionais atuam atualmente no Brasil. O PCC, a principal organização criminosa que nasceu dentro dos presídios de São Paulo, tem braços em 23 estados, segundo a pesquisa. Já o CV, facção que nasceu no Rio de Janeiro, atua em pelo menos sete estados – além de ter cinco filiados regionais espalhados em outros estados.

Os pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Carolina Dias e Bruno Paes Manso destacam que a expansão das facções para além de seus principais redutos – Rio de Janeiro e São Paulo – foi um fenômeno silencioso que começou a partir da segunda metade da década de 2000 no Brasil.

Para os pesquisadores, quatro fatores ajudam a explicar a “nacionalização” das facções, que saíram da Região Sudeste e ganharam o país. O primeiro fator foi um projeto de expansão do PCC através da rede carcerária, com a criação de “Sintonias” vinculadas organicamente à estrutura paulista. Os pesquisadores destacam também a expansão do CV através da abertura de franquias em outros estados e da coligação com grupos locais.


Outro fator que contribuiu para a nacionalização do modelo de facções prisionais, segundo Dias e Manso, foi a migração de indivíduos foragidos e vinculados ao CV ou ao PCC e, em geral, envolvidos em roubos a instituições financeiras.

Além disso, os pesquisadores apontam o surgimento de grupos locais, em quase todos os estados, em aliança ou em oposição ao PCC. Os autores citam como alianças ao PCC os grupos GDE (no Ceará), Bonde dos 13 (Acre), Estados Unidos (Paraíba) e Bonde dos Malucos (Bahia). Já em oposição à facção paulista, Manso e Dias destacam as facções FDN (Amazonas), PGC (Santa Catarina), Okaida (Paraíba) e Sindicato do Crime (Rio Grande do Norte).

Regionalização foi favorecida pela atuação das forças de segurança
Para Luis Antonio Pedrosa, advogado e diretor da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, a atuação das forças de segurança pública acabou contribuindo para que facções regionais surgissem e ganhassem forças em outras regiões do país.

“As facções regionais importam o modelo do Sudeste de organização prisional a partir da própria necessidade dos presos e seus familiares", diz Pedrosa. "Esse modelo foi importado porque o governo federal e os governos estaduais realizaram um processo de repressão a essas facções criminosas criando os presídios de segurança máxima. E, em presídios de segurança máxima, lideranças locais, regionais, que não eram recrutadas ainda por grandes organizações criminosas, cambiaram com as facções nacionais do Sudeste, tiveram contatos com eles e passam a importar isso para outras regiões.”


Pedrosa cita o exemplo do Maranhão – onde, segundo ele, não existiam facções organizadas nos presídios. “O modelo de facções começou a se consolidar a partir do momento em que lideranças foram para presídios federais e de lá trouxeram essa experiência de organização dos presos”, diz. Atualmente, três facções atuam no estado, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública: PCM, Bonde dos 40, além de um braço do PCC.

“Quando começaram o RDD [Regime Disciplinar Diferenciado], os presos de São Paulo levaram suas experiências, seu know how para os outros”, afirma Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (UnB).

Rota da droga e superlotação nos presídios também explicam o fenômeno
Welliton Maciel, porém, também aponta outros fatores que explicam o surgimento de facções em outros estados do país. No Norte e no Nordeste, por exemplo, o surgimento desses grupos tem ligação com a disputa por rotas do tráfico de drogas.

“Essa rota [no caso da Região Norte] é favorecida pelos canais de rios. Isso porque não tem como controlar. A gente não tem uma polícia de fronteira forte, então é um ponto estratégico”, explica Maciel. “O que entra de droga em pequenas embarcações, como canoas, pelos rios no Norte é muito grande. Essa disputa, principalmente esse racha que teve agora na FDN, são as lideranças que querem dominar esse tráfico”, argumenta o professor.

“Boa parte [dos criminosos] perceberam que o modelo de facção é altamente lucrativo porque ele tenta monopolizar o tráfico e alguns outros crimes que são praticadas por elas dentro de um eixo determinado”, concorda Pedrosa. “Eu diria que a Família do Norte é um exemplo típico desse modelo que luta com facções nacionais para poder manter um monopólio de uma determinada rota do narcotráfico que passa por ali”, completa.

Há, ainda, um terceiro fator, segundo o professor da UnB, que tem relação direta com o surgimento de facções como o próprio PCC e o CV: a superlotação das unidades prisionais no Brasil.

“O que acaba favorecendo essas pequenas organizações é de certo modo a superlotação; esse é o grande pano de fundo”, afirma Maciel. “O que eu acho que pesa para a proliferação de outras gangues é essa necessidade dos presos em precisar se autoadministrar, porque o Estado não foi capaz de garantir os direitos mínimos dos presos e eles tiveram que se articular”, completa.

Caso no Amazonas reforça o argumento da superlotação

O Amazonas, que foi palco de duas chacinas nos presídios do estado desde 2017, é um caso que reforça o argumento da superlotação nos presídios. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública do ano passado mostrou que o estado era o que tinha a maior superlotação do país em 2016 – data dos últimos dados disponíveis.

A proporção de presos por vaga chegava a 4,7 nos presídios dos estado. O Amazonas tinha em 2016 uma população carcerária de 11 mil presos – 60% deles, provisórios, ou seja, sem condenação definitiva.

O Ceará, que foi palco da atuação do crime organizado em janeiro, também está entre os estados mais críticos quando o assunto é superlotação. Segundo a pesquisa do FBSP, o Ceará tem uma taxa de superlotação de 3,1 presos por vaga e 48% dos presos são provisórios. O estado fica atrás apenas do Tocantins (3,2 presos por vaga) e do Amazonas, palco de dois massacres em presídios.

No Ceará, uma facção regional também tem ganhado força: a Guardiões do Estado, apontada como organização por trás dos ataques a prédios públicos no início do ano. Além da GDE, o PCC e o CV também atuam no estado.


Transferência de presos não é solução

Para tentar conter a crise penitenciária no Amazonas, o governo federal realizou a transferência de presos envolvidos com facções para presídios federais. Porém, a medida, segundo Maciel, não é solução para o problema.

“Não é presídio federal que vai resolver. Não é transferindo as cabeças e as principais lideranças. Na verdade, esse tipo de preso já mostrou que pode atuar em qualquer lugar e [a facçção] não precisa de um líder, é como se se procriassem. É uma hidra: corta uma cabeça e nasce outra, porque as condições não mudaram”, afirma.

“É um erro que continua a se reproduzir, porque os presídios federais continuam recebendo lideranças regionais por alguma ocorrência – seja um distúrbio, um motim, uma rebelião. As lideranças regionais são deslocadas a presídios federais e lá elas trocam informações, são cooptadas por facções nacionais e voltam para poder disseminar a proposta de sua facção”, afirma Pedrosa. “É comum que os estados utilizem essa remessa de presos para os presídios federais até por uma forma de acalmar a população”, completa.

O qual é a solução, enfim?

Para Maciel, a solução passa por três eixos que devem ser levados em conta pelos responsáveis pela política de segurança pública. “O sistema [penitenciário] vai continuar superlotado e mais chacinas e episódios de barbárie poderão voltar a acontecer enquanto o Estado não atacar a política de drogas, pensar na questão do filtro da entrada [do sistema prisional], [saber] quem são essas pessoas e por que estão sendo encarceradas, e que direcionamento dar para presos provisórios”, afirma o pesquisador da UnB.


BALA NA CARA



DIÁRIO GAÚCHO 02/09/2014 

Quem são e como funciona a quadrilha dos Bala na Cara
Facção dos Bala na Cara é a que mais cresce nas cadeias e nas ruas da Região Metropolitana. Praticamente todas as delegacias da região investigam algum braço do grupo, mas ninguém consegue decifrar todos os caminhos da organização para eliminá-la

Eduardo Torres



"O quê? Ele não quer vim pro nosso lado? "Passa" ele, então. Nós somos Bala".

A ordem era quase trivial, mandando o comparsa matar um desafeto. Foi interceptada em uma escuta telefônica há dois anos, durante uma investigação que não evoluiu por falta de fôlego da polícia. E virou elemento fundamental para mostrar a diferença da facção dos Bala na Cara em relação a qualquer outro grupo criminoso organizado entre as cadeias do Estado. A pirâmide de poder dos Bala, diferente das facções rivais, não tem um líder único, que dite as regras.

O Denarc, todas as delegacias de homicídios da Região Metropolitana, o Deic e o Ministério Público mantêm investigações sobre a facção. Mas sempre tendo como foco algum tentáculo da organização, nunca a facção como um todo.

— Sabemos que a quadrilha nasceu na Bom Jesus e que a expansão acontece sem um líder absoluto. O tráfico pulverizado, e a forma de atuar em associação a quadrilhas locais, dificulta qualquer investigação mais precisa sobre eles — afirma o diretor de investigações do Denarc, delegado Cléber dos Santos Lima.

Bando tem pelo menos quatro líderes

A polícia estima que pelo menos quatro homens ditem as regras do bando — não necessariamente com um discurso afinado. E não são eles que dão ordens para a ponta dessa rede. Aos soldados, quem dá as cartas são os líderes de quadrilhas locais. Assim, é difícil para a polícia chegar aos mais poderosos do bando.

A forma de atuar, quase como uma franquia, se consolidou há pelo menos três anos, quando a facção ganhou respeito ao desbancar a liderança dos Manos. Mas, diferentemente do momento em que a quadrilha ficou conhecida, em 2009, dessa vez nenhum personagem ganhou notoriedade com essa ascensão.

Em vez de soldados, nas cadeias os Bala passaram a atrair sócios. Ao traficante de qualquer localidade, a facção ofereceria reforços de soldados e armas — que saem de outras regiões dominadas pelo grupo — para garantir o controle do território. Depois, o novo sócio se compromete a vender somente a droga fornecida pela facção.

Lucro é o interesse em comum

Os negócios são tratados por gerentes das galerias de cada prisão. A forma como eles se comunicam com os principais líderes ainda não está clara para as autoridades. A certeza que se tem é que a sociedade com a facção tem um único interesse: lucro. Como a grana é dividida, as investigações até hoje não esclareceram.

Ação exigiria força-tarefa

— Uma ação única para derrubar os Bala na Cara como um todo, exigiria uma força-tarefa. E, hoje, não teríamos condições de fazer isso. Também não sei qual seria a eficiência, se dentro das cadeias ainda são os presos que definem até o lugar onde vão ficar — diz o diretor de investigações do Departamento de Homicídios, delegado Cristiano Reschke.

Ainda assim, ele garante que, entre as delegacias de homicídios, há constante troca de informações sobre a presença da facção em todas as regiões da cidade. E aí, os investigadores ainda precisam driblar mais uma "cortina de fumaça".

— Sempre que o nome da facção surge em alguma investigação, o primeiro desafio é filtrar o que realmente é Bala e o que é só grife. Não podemos alimentar isso — alerta Cléber dos Santos Lima.


Facção se adapta às regras da cadeia

Quem agride mais, vive menos. A frase é regra de convivência básica na cadeia. A negociação, mais do que o medo, sempre garantiu a permanência das principais facções nos presídios gaúchos. Os Bala, vistos como extremamente violentos mesmo com seus aliados, pareciam ter transgredido também essa norma.

Os mandamentos da facção ordenam não ter pena, ser duro com os seus traficantes e eliminar os traidores. Porém, para o juiz da Vara de Execuções Criminais, Sidinei Brzuska, há um interesse maior do que estas regras.

— Entre as facções gaúchas, não há uma ideologia. O que há é o interesse econômico. Fazem alianças por conveniência. E essa facção se adapta muito bem a esse ambiente — acredita.

Segundo ele, sobretudo no Presídio Central, há indícios de que os Bala se tornaram mais flexíveis para crescer. Uma estimativa dá conta de que a galeria dominada pela facção, que tem entre 200 e 300 presos no Pavilhão F, teria atualmente o maior faturamento. Nas prisões do semiaberto também teriam diminuído os casos de punições com morte impostas pela quadrilha.

A estratégia estaria garantindo uma expansão nas cadeias. Pelo menos dois líderes de quadrilhas ligadas aos Bala na Zona Sul da Capital estão presos na galeria dominada pelos traficantes da Vila Maria da Conceição. Com o enfraquecimento do traficante Paulão, a facção teria se aliado aos novos comandantes do tráfico na vila da Zona Leste da cidade.

Carros viraram a nova moeda do tráfico
Se, em 2007, os Bala na Cara ganharam notoriedade pelos violentos roubos a joalherias e bancos para financiar o tráfico e a compra de armas, agora, o ramo deles mudou. E tem chamado a atenção da Delegacia de Roubos de Veículos do Deic. Pelo menos um terço dos carros recuperados este ano na Capital foram achados em bairros onde a facção domina.

Os bairros Mario Quintana, Bom Jesus e Lomba do Pinheiro estão entre os principais destinos, na cidade, de veículos roubados e furtados. Na Região Metropolitana, Viamão e Alvorada — também com forte presença dos Bala — repetem a dose.

— O roubo de carros virou uma grande moeda de troca para os traficantes. É muito menos arriscado do que roubar um banco, por exemplo — estima o delegado Juliano Ferreira.

Um ladrão de carros chegaria a ganhar em torno de R$ 1 mil para repassar o veículo ao bando que, em casos de clonagens, chega a revender o carro por R$ 10 a R$ 15 mil.

— Estamos muito atentos à organização deste grupo, agora, a partir das cadeias. É de lá que saem as ordens para os roubos — diz o delegado.

Ele afirma que há diversas investigações relacionando a facção aos roubos de veículos, inclusive com a possibilidade de que o bando tenha lucros em esquemas de desmanches e clonagens de carros posteriormente revendidos.

O tamanho dos Bala na Cara

Bom Jesus - É o berço da facção. Hoje, são hegemônicos no tráfico de drogas do bairro, e com influência sobre o Jardim Carvalho, Vila Jardim e Jardim Itu Sabará.

Serraria - A Vila dos Sargentos é, talvez, a área de domínio mais violenta da facção. Em 2009, um traficante local, reforçado pelos Bala, eliminou um antigo gerente, que devia ao bando. Sua morte, decapitado, foi considerada exemplar pelos criminosos. Da vila, sairiam os soldados que cumpririam ordens da facção para disputas do tráfico em toda a Zona Sul da Capital.

Mario Quintana
-- Vila Safira é considerada pela polícia uma das principais bases da facção. Ali se concentram boa parte dos criminosos — boa parte ainda adolescentes — usados como soldados em guerras do tráfico.

Atualmente não há conflito pelo domínio do tráfico neste bairro, mas as disputas são constantes com a Gangue dos Bobós, do Rubem Berta. Até 2011, os grupos eram parceiros, mas houve um racha na quadrilha.

Morro Santana - Vila das Laranjeiras viveu uma guerra entre o final de 2012 e o começo de 2013. A região acabou dominada pelos traficantes da Vila Safira, que surgiram como apoiadores de um dos gerentes locais.

Lomba do Pinheiro - Vila Tamanca é vista como uma das zonas de influência da facção, mas há domínios dos Bala na Cara em outros pontos do bairro. Atualmente, haveria um racha interno. Integrantes da facção estariam em desacordo com a liderança da Vila dos Sargentos.

Sarandi - Três quadrilhas disputam o controle do tráfico local. Uma delas, liderado por um traficante conhecido como Carroça, de acordo com a 3ª DHPP, teria o reforço dos Bala.

São Geraldo - A facção tomou conta dos pontos entre os bairros São Geraldo e Navegantes, entrando em enfrentamento com a facção dos Farrapos, que também domina uma galeria no Presídio Central. Nessa região da cidade, o bando também estaria controlando um esquema de prostituição.

Santa Tereza - Os Bala na Cara estariam por trás de pelo menos duas das guerras pelo controle de pontos de tráfico na Vila Cruzeiro. O grupo conhecido como V7 seria o grupo armado da facção no bairro. Eles estariam apoiando ainda o bando dos Bala de Goma.

Vila Nova - A Vila Monte Cristo e o Campo Novo são apontados como redutos da facção na região. Integrantes da V7 e da Vila dos Sargentos estariam atuando em confrontos principalmente com traficantes da Cohab Cavalhada, que seria dominada pelos Manos.

Restinga - As gangues dos Miltons e dos Primeira são investigadas como relacionadas com os Bala na Cara. A região, porém, não se configura como um domínio sem rivais à facção pelo grande número de gangues atuando na mesma região.

Partenon - A Vila Maria da Conceição sempre foi um objetivo dos líderes dos Bala na Cara. E essa aproximação estaria acontecendo dentro do Presídio Central, desde que o tráfico na área considerada a mais lucrativa da Capital rachou. Alguns líderes ligados aos Bala estariam na galeria dominada pela Maria da Conceição.

Alvorada - Os bairros Umbu, Maria Regina e Aparecida seriam os principais pontos de atuação da facção na cidade, mas a polícia investiga a presença dos Bala em quase todas as regiões da cidade.

Cachoeirinha - O bairro Navegantes foi a primeira área tomada por uma gangue ligada aos Bala na Cara. Desde o ano passado, porém, a polícia investiga a tomada de pontos na Vila Anair e no Bairro Vista Alegre, em uma parceria com traficantes presos recentemente.

Canoas - Desde a morte de Nego Jaime, a liderança dos Bala na Cara no Bairro Mathias Velho estaria vaga, mas eles continuariam atuando na região, assim como no Bairro Guajuviras. Há suspeita de ligações da Gangue dos Bicudos, do Bairro Rio Branco, com os Bala na Cara.

Eldorado do Sul - No mês passado, a polícia desmascarou a investida da facção sobre o Delta do Jacuí, por ordem do traficante conhecido como Pequeno, a partir da Pej.

Esteio - Traficantes da Vila Pedreira teriam retomado o poder nas bocas locais com o suporte dos Bala.

Gravataí - Há pelo menos cinco anos a polícia investiga a presença dos Bala na Cara no tráfico da Vila Rica. Mais recentemente, o bando estaria por trás da guerra do tráfico no Bairro Rincão da Madalena.

Viamão - Foi uma das primeiras áreas de expansão da quadrilha, pela influência do Alemão Lico na região da Hidráulica. Regiões dos bairros Santa Cecília e Santa Isabel também teriam atuação de traficantes ligados à facção. A região seria um dos núcleos da receptação de veículos roubados da quadrilha.

Os cabeças:

Presídio Central

Deividi Vilanova dos Santos, o Zóio. Foi preso ano passado pela 2ª DHPP, apontado como mandante de homicídios na região do Bairro São Geraldo. É apontado pela polícia como gerente dos Bala na Cara entre os bairros São Geraldo e Navegantes.

André Vilmar de Souza, o Nego André. Foi indiciado pela 4ª DHPP como mandante de homicídios na Vila Cruzeiro. É considerado um dos líderes dos V7. Está preso na galeria dominada pela Vila Maria da Conceição e pode indicar a aproximação entre os dois grupos.

Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej)

Wagner Nunes Rodrigues, o Minhoquinha. Seria o líder dos Bala na Cara na região do Bairro Mario Quintana. Foi preso em 2011 depois de ser indiciado por pelo menos três homicídios. Na última semana, foi indiciado com mandante de dois homicídios em Eldorado do Sul. De acordo com a polícia, Minhoquinha faria o meio de campo nas parcerias com traficantes da Região Metropolitana.

Jéferson dos Santos Lopes, o Pequeno. Tem mais de 50 anos de pena a cumprir na cadeia, com antecedentes por homicídios. Considerado pela polícia o elo dos Bala na Cara em Eldorado do Sul, mas é originalmente da Zona Norte de Porto Alegre. Ocuparia um cargo de confiança na galeria da facção na Pej.

Jaime Evangelista Pires, o Nego Jaime. Foi encontrado morto em uma cela em julho. Teria cometido suicídio. Ele era o elo dos Bala na Cara no Bairro Mathias Velho, em Canoas, mas viu seu poder ruir ao ficar com dívidas com a facção.

Paulo Cezar Tonatto, o Barba. É considerado um dos membros originais do bando. Indiciado por diversos homicídios cometidos no Bairro Bom Jesus. Haveria uma divergência de comando dentro da penitenciária entre as lideranças do Bom Jesus e da Zona Norte.

Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc)

Fábio Fogassa, o Alemão Lico. É apontado pela polícia como o líder mais violento do bando. É investigado pelas delegacias de homicídio de Porto Alegre e de Viamão por ordenar crimes de dentro da prisão. Seria o principal líder da facção na Zona Sul da Capital, a partir da Vila dos Sargentos. Tem antecedentes por roubos, tráfico de drogas e formação de quadrilha. Responde na Justiça por pelo menos quatro homicídios.

Luis Fernando da Silva Soares Júnior, o Júnior Perneta. É considerado o principal líder dos Bala na Cara. Natural da Bom Jesus, teria conhecido seus principais comparsas no longo período em que passou por diversas casas prisionais. Agora, está preso desde o começo do mês passado ao ser flagrado pela Polícia Federal com 20,5kg de cocaína em uma garagem do Bairro Menino Deus. Ele também já havia sido preso com drogas em Viamão, em 2010. Tem antecedentes por roubos, formação de quadrilha, tráfico e associação ao tráfico. Responde na Justiça também por pelo menos um homicídio e uma tentativa de homicídio.

EMPRESA DO TRÁFICO



ZERO HORA 30/05/2013 | 08h19

Com matadores de aluguel, facção dos Bala na Cara vira "firma do tráfico" na Região Metropolitana.  Em posição de comando nos principais presídios do Estado, líderes colocam em prática o seu método empresarial de mandar no tráfico

Eduardo Torres




Diante dos policiais, o guri de 14 anos, pequeno e magrinho, falava de assassinatos com naturalidade. Contabiliza na sua lista ao menos três vítimas desde que entrou para a criminalidade, aos oito anos. Mas, para a polícia, foram mais.

Desde o começo do mês, estava com um grupo de bandidos em um apartamento no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com a missão exclusiva de matar. Nem conhece direito aquela região. Pudera, veio da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital, a mando dos Bala na Cara.

- Onde me mandam, eu vou lá e mato - resumiu.

Facção quer crescer

Antes de ser levado para a Fase, o matador foi enfático: estava ali sob ordens do tráfico, e depois voltaria à sua base, esperando outra missão.

Personagens como ele seriam a ponta do projeto de crescimento dos Bala na Cara, alçados, desde 2011, à importância de facção nos presídios gaúchos. A quadrilha está presente em praticamente todas as guerras do tráfico na Região Metropolitana.

"São os agiotas do crime"


A investigação da Delegacia de Homicídios de Canoas é encarada como o fio condutor para entender como agem os Bala na Cara.

- Eles se tornaram agiotas do crime. O envio de matadores para "limpar a área" é parte desse pacote de serviços. Sabemos que a ordem parte da cadeia e vamos atrás dos líderes - garante o delegado Marco Guns.

Socorro a patrões em declínio

Com seus principais articuladores em posições de liderança nas galerias da Pasc, Pej e Presídio Central, os Bala na Cara teriam se tornado o socorro de patrões da droga decadentes. São traficantes endividados, tentando reerguer seus antigos domínios.

- Os Bala na Cara compram as dívidas desse criminoso, mas ele fica condicionado a comprar drogas exclusivo deles e dar parte dos lucros para a facção. Em troca, recebe armas e, quando precisa se livrar de devedores, desafetos ou há guerras pelas bocas, os matadores chegam na vila a mando dos Bala - diz um policial de Canoas.

Prisão em Canoas revela o método dos Bala na Cara

A polícia de Canoas teve a primeira pista do plano de retomada do tráfico no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com o suporte dos Bala, em dezembro do ano passado. Naquela época, a Brigada Militar prendeu, por porte ilegal de armas, dois homens de Porto Alegre que circulavam de carro pelo bairro. O detalhe estava no histórico dos dois: um, apontado como gerente do tráfico no Bairro Bom Jesus, o outro, como matador no Bairro Mario Quintana.

Este ano, no começo de maio, a investigação deslanchou. Os matadores dos Bala erraram o alvo. A ordem era executar um pequeno traficante que teria traído o "contratante" dos Bala, comprando drogas de outro fornecedor. Porém, mataram um comparsa dele. Dênis Antônio da Silva Prado, 18 anos, foi morto com um tiro na cabeça no dia 6 de maio.

- Essa "falha" forçou eles a mudarem o método. Antes, sabíamos que o pessoal vinha até a Mathias, cumpria a ordem e voltava. Agora, estavam até procurando casas para alugar. Provavelmente se estabeleceriam aqui, depois de cumprirem a ordem de execução - diz um policial.

Matadores ficaram na cidade

Sábado passado, o grupo, que permaneceu na cidade, tentou matar o traficante. Na segunda, a Operação Contundência apreendeu quatro adolescentes entre 14 e 17 anos, um jovem de 18 anos e um casal de 30 anos em um apartamento na Rua Santo Ângelo. Com eles, foram apreendidos dois revólveres calibre 38, um calibre 32, além de uma pistola .40.

Os três adolescentes - um deles, o guri de 14 anos - e o jovem vinham do Bairro Mario Quintana, na Capital.

"Os invisíveis"

O trunfo das parcerias da facção está na "invisibilidade". As informações sobre homicídios até chegam à polícia, todos sabem quem supostamente mandou cometer os crimes. Sabem também que os Bala na Cara estão no meio. Mas testemunhas são incapazes de reconhecer quem comete os crimes.

- Nossa grande dificuldade é sempre identificar quem atirou, porque são pessoas desconhecidas na vila - aponta Marco Guns.

No crime, desde os oito anos

O guri de 14 anos apreendido em Canoas, é um dos dez filhos de uma família pobre da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital. Chegou a ajudar o pai no trabalho de flanelinha, mas o viu morrer antes de completar 30 anos, corroído por crack e cachaça. Aos oito anos, como ele mesmo descreve, "colou com uma gurizada do crime". Aos 14, já adquiriu prestígio de matador entre os Bala na Cara. É a ele que os gerentes recorrem no momento de cumprir as ordens do comando.

- Eu gosto é de ver o sangue ainda quentinho, escorrendo dos caras, sabe. Tenho sangue nos olhos - gabava-se o guri no depoimento prestado à Delegacia de Homicídios, de Canoas, na segunda-feira.

Ele saiu do verdadeiro criatório de soldados da facção, com o perfil procurado e protegido pelos líderes.

- Eu nem conheço trabalhador, também não mexo com família. Só mato vagabundo. Eles me dão o que tem que dar por isso, eu mato, e pronto. Não sou mais soldadinho - disse, garantindo que já matou outros antes do crime do dia 6 de maio, no Mathias Velho. Em todas as vezes anteriores, revelou, "alguém abraçou a bronca".

Adolescentes matam para ganhar prestígio

A suspeita da polícia é de que os soldados desse exército do tráfico saem do Bom Jesus, Mario Quintana, Vila Esqueleto, Vila Mapa e Vila dos Sargentos - locais de Porto Alegre onde os Bala já conseguiram construir bases mais sólidas. São os principais comandados para missões nas áreas aliadas. Matam, segundo os investigadores de Canoas, pelo prestígio dentro da organização.

- Imagine o caso desse menino, sem nenhuma perspectiva, que ganhou uma pistola. O pagamento para ele é esse status entre os criminosos - resume o delegado Marco Antônio Guns.

REDUÇÃO DE HOMICÍDIOS. ESTABILIZAÇÃO DE FACÇÕES E MELHORA NA RENDA?



Estabilização de facções e melhora na renda: especialistas explicam razões para queda nos homicídios no RS. O mês de fevereiro teve redução de 31,7% nos assassinatos no Estado. Foram 140 vítimas - 65 a menos que no mesmo período do ano passado

ZERO HORA 19/03/2019


ANDERSON AIRES E LETICIA MENDES


A redução de 31,7% nos assassinatos no Rio Grande do Sul em fevereiro, em relação ao mesmo período do ano passado, é a maior da década. Foram 140 vítimas no último mês — 65 a menos que no mesmo período do ano passado. Em Porto Alegre, a queda foi ainda mais significativa. Com 23 registros, diminuiu 61,6%. Os dados foram divulgados ontem pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) do Estado.


Para o professor de Tecnologia em Segurança e Gestão Pública da Feevale, Charles Kieling, os dados indicam estabilização das facções, depois de período de disputas violentas, e passa pela melhora da renda.


— Quando há desestabilização desses grupos, a tendência é que os crimes se tornem mais violentos, com chacinas e decapitações. As quadrilhas conseguiram chegar numa espécie de consenso, pacificação. Iniciou-se também uma melhora da economia, da renda média das famílias. Isso inclui a de pessoas envolvidas no crime e de consumidores de drogas, que passam a conseguir pagar as despesas — explica.


Kieling enfatiza que é preciso levar em conta aspectos sazonais, que podem impactar nos números. O especialista considera positiva a iniciativa do governo de apostar em plano amplo, como o RS Seguro, que envolve o emprego de análise científica dos indicadores de violência e formas de prevenção, para tentar combater a criminalidade.


Juan Fandino, especialista em segurança pública e violência na América Latina, entende que os atuais comandos do Planalto e do Piratini têm pouco tempo de atuação para que iniciativas na área de segurança expliquem essa redução.


Para Fandino, a simples troca de gestões pode influenciar no inconsciente da população e das facções, que passam a repensar as ações. O especialista cita como exemplo a atuação mais ostensiva das polícias, com mais incentivo dos governos e da sociedade, como um dos fatores que podem explicar os números:


— Na população das gangues, eles estão sentindo que é necessário parar de lutar entre si porque vão enfrentar um inimigo superior (Estado). Eles conseguem sentir isso — afirmou.


Os dados referentes à criminalidade no Rio Grande do Sul serão divulgados mensalmente, de acordo com a SSP. Em junho do ano passado, GaúchaZH mostrou que o critério para divulgação dos índices mudou 11 vezes em 11 anos. Somente durante o governo José Ivo Sartori (MDB), os métodos foram alterados cinco vezes.















MAIS DA METADE DOS DETENTOS SÃO DE FACÇÕES


Mais da metade dos detentos estão ligados a facções dentro dos presídios da região Metropolitana. Facções mantêm disputa de espaço e poder dentro e fora das casas prisionais do RS
CORREIO DO POVO 20/04/2019 | 14:00 Atualizado 23/04/2019 | 15:29
PorPaulo Roberto Tavares
 




Na Cadeia Pública, o equilíbrio entre as facções é considerado tênue, pois elas têm representação fora das cadeias e a disputa por território é constante | Foto: Alina Souza / CP Memória



Enquanto 69% de toda população carcerária gaúcha não possui ligação com facções, na região Metropolitana apenas 47% dos detentos não estão ligados a grupos criminosos. Juntas, as unidades prisionais de Porto Alegre, Charqueadas, Guaíba, Canoas e Gravataí reúnem quase 10 mil detentos nos regimes aberto, semiaberto e fechado e 21% deles são ligados a facção Os Abertos. O grupo Os Manos representam 13% e os Bala na Cara somam 8%.

Se levado em consideração todas as casas prisionais do Estado, a hegemonia dos Abertos se mentém, com 11% da população carcerária. Os Manos representam 8% e os Bala na Cara 4%. O número de detentos sem facção, de acordo com dados da área prisional obtidos pelo Correio do Povo, está em 69%.

No Estado ainda encontramos facções com pequena participação no sistema carcerário. Muitas têm presença apenas em determinada região ou ficam gravitando em torno de uma maior, casos como os Unidos Pela Paz, Vândalos e Mata Rindo, que ocupam 0,5% nas casas prisionais, assim como os grupos criminosos Farrapos, K2, Tauras, Cebolas e Comando Pelo Certo.

Na Região Metropolitana, Capital e Complexo Penitenciário de Charqueadas pode-se observar a existência de facções de menor presença, mas que podem ser aliadas, em determinadas situações, dos grupos criminosos de maior monta. Dentro desse universo estão Os Tauras (1%), V7 e Unidos Pela Paz (ambos com 2%) e Farrapos e comando Pelo Certo (ambos com 3%).


O fenômeno das facções não é novo, mas também não é tão antigo, segundo sociólogos. O modelo deste tipo de grupo surgiu com o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, e com o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro, que foram formados, em um primeiro momento, para reivindicar condições melhores dentro dos cárceres.

As facções gaúchas começam a surgir nos anos 90. De acordo com o vice-governador e Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Junior, a primeira a se formar foi a Falange Vermelha, no tempo de Dilonei Francisco Melara. No entanto, outras aos moldes desta surgem aos poucos, até atingir todo o Estado. “Nos últimos quatro ou cinco anos houve crescimento muito significativo das facções aqui no RS”, disse Vieira Junior. “Antes, elas ficavam restritas ao Presídio Central e ao Complexo de Charqueadas. Atualmente estão em praticamente todas as casas prisionais.”

No entanto, ao contrário de São Paulo, que praticamente tem apenas o Primeiro Comando da Capital (PCC) como uma organização forte, o Rio Grande do Sul tem várias, que dominam determinadas áreas. Isso, de acordo com o secretário de Segurança Pública, se deve muitas vezes à ausência do Estado dentro do sistema prisional. “A ausência do Estado nos estabelecimentos penais acaba transferindo poder aos detentos”, acentuou Vieira Junior. “E não é apenas proteção que essas facções proveem às pessoas recém-presas, mas também ‘assistência social’ extensiva à família do preso. Claro que quando ele ganhar a liberdade terá uma dívida com a facção e terá que ser paga, obrigatoriamente”, disse Vieira Junior.

A proliferação das facções, no entanto, também pode ser o fim de algumas. Segundo Vieira Junior, uma gangue tem um líder, mas tempos depois vem outro preso que se diz líder e, em seguida, mais outro. Alguns grupos criminosos chegam a se dividir em três, gerando muita rivalidade e disputas, que, não raro, acabam em morte. Outras facções ficam gravitando ao redor de uma organização maior.

Os criminosos gaúchos também descobriram que certas atividades ilícitas geram lucro maior que assaltos ou outros crimes. De acordo com Vieira Junior, as gangues também se dividem conforme a atuação de cada uma. Parte delas age no tráfico de drogas e têm que se preparar para enfrentar uma guerra pela hegemonia nas regiões onde atuam. Outras, porém, começam vendendo drogas, mas acabam diversificando sua ação. “Muitos chefes de facções acabam indo para jogo clandestino, lavagem de dinheiro ou se estabelecendo em vários ramos formais”, comentou o secretário de Segurança Pública, ressaltando que do Primeiro Comando da Capital (PCC), nos anos 90, até os dias atuais, o crescimento desses grupos criminosos não parou.

O surgimento das facções no Rio Grande do Sul tiveram motivação diferente das do resto do Brasil. Segundo o juiz Sidinei José Brzuska, titular da 2ª Vara de Execuções Criminais, as organizações nos presídios gaúchos tiveram um viés econômico, ao passo que no centro do país, em um primeiro momento, o motivo foi proteção. Logo após assumir o comando do Presídio Central, a Brigada Militar identificou um preso de apelido Brasa como sendo uma liderança. “O Brasa transformou a cadeia em um local de comércio, o que, com o passar do tempo, foi sendo assimilado e seguido pelos demais”, disse o juiz.

A matéria completa está na edição do + Domingo do Correio do Povo.

FACÇÕES DOMINAM METADE DOS BAIRROS DE PORTO ALEGRE



DO G1 RS 16/09/2016 22h01

Facções criminosas atuam em quase metade dos bairros de Porto Alegre
Grupos protagonizam uma 'guerra' que já fez 400 vítimas em 2016.
De 83 bairros da capital gaúcha, 38 estão sob domínio dessas facções.


Da RBS TV


Quase metade dos bairros de Porto Alegre é dominada por uma ou mais facções criminosas. O apontamento é baseado no levantamento feito pela editoria de segurança do Grupo RBS. A disputa pelo domínio de pontos de tráfico de drogas gera uma guerra na capital gaúcha que já causou a morte de 400 pessoas em 2016.

Quatro facções criminosas disputam o domínio dos pontos de venda de entorpecentes em 38 dos 83 bairros da cidade, em áreas onde vivem quase 900 mil pessoas. Esses grupos cometeram 75% dos homicídios ocorridos em Porto Alegre neste ano. Eles são os Manos, os Abertos, os Bala na Cara e os Antibala.


Isso impacta em toda a sociedade, não só onde existe tráfico de drogas"
Tenente-coronel Mário Ikeda


Os Manos e os Abertos foram as primeira facções criminosas formadas por detentos no Presídio Central de Porto Alegre, na década de 1990.

Já o Bala na Cara surgiu nas ruas da Lomba do Pinheiro, da Zona Leste. Quadrilhas rivais que estariam perdendo territórios para este grupo formaram a facção Antibala. De acordo com a Brigada Militar, esses dois são os mais violentos.

“Essa disputa é por regiões, por pontos de tráfico de drogas. As facções ficam disputando para aumentar os seus pontos e seus lucros. Isso impacta em toda a sociedade, não só onde existe tráfico de drogas”, afirma o comandante do policiamento da capital, tenente-coronel Mario Ikeda.

Na disputa pelos pontos de venda de drogas, bairros são invadidos por facções rivais, e residências e comércios são atingidos por disparos, quando não surgem vítimas que sequer têm relação com essa guerra, como foi o caso de um comerciante morto na noite de 20 de fevereiro, no bairro Bom Jesus.

Mais recentemente, um menino de 9 anos foi atingido por uma bala perdida na Zona Sul de Porto Alegre. O alvo era o tio dele, segundo a Brigada Militar, por conta de um acerto de contas relacionado com o tráfico de drogas.

Os bairros que concentram a maior parte dos homicídios são Rubem Berta, Santa Teresa, Lomba do Pinheiro e Bom Jesus, conforme a Brigada Militar.

O policiamento nestas regiões ganhou o reforço dos homens da Força Nacional de Segurança.

“A Brigada direciona o seu policiamento através da repressão qualificada pelos indicadores de criminalidade”, diz Ikeda sobre a estratégia de combate, para então completar que “nos últimos anos, temos apreendido armas mais potentes, e novas armas são importadas, que as facções estão buscando por causa dessa guerra entre elas”.

Guerra nas ruas e paz no presídio

No entanto, apesar da guerra nas ruas, dentro do Presídio Central de Porto Alegre as facções dividem o mesmo espaço fechando negócios e fazendo acordos. A maioria das decisões tomadas do lado de dentro dos muros do presídio tem influência direta na vida das pessoas nas ruas.

“Porque a regra que está estabelecida aqui (dentro do presídio), é que o problema da rua se resolve na rua”, diz o juiz da Vara de Execuções Criminais, Sidinei Brzuska, citando ainda casos de crianças mortas com tiros de fuzil, situações de esquartejamentos, decapitações, execuções de mulheres tiradas de casa de forma violenta, e os roubos violentos, que, na opinião do magistrado “está tudo muito interligado”.

Conforme a Vara de Execuções Criminais, os grupos criminosos controlam as galerias dentro do Presídio Central. Os Abertos ocupam dois prédios, os Manos estão nas galerias do bloco B, os Bala na Cara se dividem entre os prédios B e F, e os Antibala ocupam as galerias do prédio D.

“O Presídio Central é o pulmão do crime. Ali nossas facções estão enraizadas, estão estabelecidas (...) todas as pessoas que são presas hoje em Porto Alegre, primárias, que nunca botaram os pés na prisão, elas vão entrar dentro do Presídio Central, que tem galerias abertas, que são controladas por determinado grupo, e esse grupo é que vai acolher essa pessoa, e essa pessoa vai ter a sensação de pertencimento a esse grupo”, explica Brzuska, ao dizer ainda que tudo que é recebido dentro do sistema carcerário é pago com crimes nas ruas. “Por isso temos índices altíssimos de reincidência”, completa.

A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) disse que, de janeiro a agosto, mais de 200 operações foram feitas por agentes penitenciários. E, sempre que necessário, remaneja possíveis líderes de grupos criminosos para coibir contatos ou diálogos entre eles.