DIÁRIO GAÚCHO 06/08/2014 | 14h28
Carlos Wagner e Mauricio Tonetto
Grupo criminoso formado no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, busca expansão no tráfico de drogas com o emprego da violência nas ruas

Os suspeitos movimentam, em média, segundo a polícia, 5 kg de maconha, 4 kg de crack e 3 kg de cocaína em EldoradoFoto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Por ter na ficha criminal a morte de duas crianças, outros cinco homicídios, dez roubos e sete furtos, Jeferson dos Santos Lopes, 29 anos, o Pequeno, ocupa um lugar de destaque na organização criminosa Bala na Cara, nascida nos anos 2000 no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. Pequeno galgou os degraus no bando pela violência e crueldade, as marcas registradas dos seus liderados.
– A função dele é abrir novos territórios. Faz isso matando os rivais, inclusive crianças – descreve o delegado Alencar Carraro, de Eldorado do Sul, que comandou a detenção de 33 pessoas na Operação Delta, a maioria dos Bala na Cara. Pequeno cumpre uma pena de 57 anos na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ).
Em maio, ele foi indiciado pela morte, com dois tiros, do menino Derick dos Santos Fernandes, de apenas dois meses, e, em abril de 2007, pela execução de Tiago da Silva Farias, seis anos. Os dois assassinatos ocorreram durante a disputa por pontos de droga. Elisandra dos Santos Lopes, 24 anos, mulher de Pequeno, foi recolhida nesta quarta-feira por participação nos homicídios.
Outra liderança da facção criminosa – Luis Fernando Soares da Silva Júnior, o Júnior Perneta – foi preso há 15 dias e levado para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). As detenções fazem parte de uma estratégia da Polícia Civil de retirar de circulação membros importantes dos Bala na Cara.
A organização, ao contrário de outras como Os Manos e Os Brasas, que ganharam força e poder dentro dos presídios, atua principalmente nas ruas e busca expansão para a Região Metropolitana.
Crédito: Ronaldo Bernardi

– Como o nome já diz, a metodologia deles é tomar o negócio na violência. Eles têm representação no Presídio Central e na PEJ, mas o que vemos é que, por conta do que fazem na rua, são proibidos de entrar nas galerias dos estabelecimentos onde eles não têm líderes – diz Gilmar Bortolotto, da Promotoria Especializada de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre.
Guerra Civil da Bom Jesus
Os "Bala" se diferenciam do perfil dos traficantes tradicionais porque, segundo fontes policiais ouvidas por Zero Hora, pulverizam o controle das drogas entre ladrões e homicidas. Em 2009, quando foi anunciada a criação de um Território da Paz no Bom Jesus, o bairro chorava a morte de 14 pessoas, supostamente atribuídas ao bando.
– Pequeno se fez respeitar entre os bandidos pela sua crueldade – descreve o delegado Bolívar Llantada, que em 2007 era titular da Delegacia de Homicídios e hoje é do Grupamento de Operações Especiais (GOP).
Llantada combateu os Bala na Cara no auge da organização, quando ela disputava território com outras duas gangues, Os Mirandas e Os Bragés, donos da maioria das bocas de fumo do bairro Bom Jesus. Houve diversas mortes promovidas entre as quadrilhas, no episódio que ficou conhecido como Guerra Civil da Bonja.
Operação Delta
O grupo preso nesta quarta-feira em operação policial na Região Metropolitana é investigado por pelo menos 20 homicídios no último ano. De acordo com a Polícia Civil, a maioria dos 33 detidos pertence aos Bala na Cara.
O negócio da quadrilha é baseado no tráfico de drogas, e os assassinatos são para manter o poder e respeito. Os suspeitos movimentam, em média, segundo a polícia, 5 kg de maconha, 4 kg de crack e 3 kg de cocaína em Eldorado do Sul. A cidade foi escolhida para ser uma espécie de sucursal do bairro Bom Jesus.
ZERO HORA
DIÁRIO GAÚCHO 26/12/2011 | 07h24
Grupo Bala na Cara avança seu domínio
A troca no comando do crime está configurada nas cadeias gaúchas. De uma quadrilha violenta de traficantes, os Bala na Cara já teriam status de facção entres os bandidos. Bando domina galerias no Central e em Charqueadas
EDUARDO TORRES
A descoberta de 37kg de maconha enterrados no pátio de uma casa no Bairro Mathias Velho, em Canoas, na última quinta, significou, para a polícia, mais do que uma apreensão corriqueira de drogas. Foi a demonstração da consolidação de poder dos Bala na Cara na Região Metropolitana. Dentro e fora das cadeias. A polícia já tem elementos que comprovam a transformação do bando originário da Bom Jesus em uma facção organizada.
– Os Bala na Cara dominam algumas galerias dentro dos presídios gaúchos, e pode-se dizer que são uma moda entre os detentos. Diferente de outras facções já conhecidas, como Os Manos ou Os Brasas, eles não surgem de dentro para fora da cadeia. É uma ordem que vem de fora, e hoje é uma das dominantes no sistema carcerário – confirma o juiz da Vara de Execuções Criminais, Sidinei Brzuska.
Segundo ele, as primeiras informações dos Bala na Cara na cadeia teriam chegado à Justiça há dois anos. Hoje, o grupo estaria no auge, como uma moda entre os criminosos, fortalecidos a partir do Presídio Central.
– Nenhuma facção sobrevive sem a força do Central. A partir do momento que se tem o domínio dessa área, a tendência é se sobrepor aos rivais pelo amedrontamento – diz o juiz.
A Força-Tarefa da Brigada Militar que administra o Presídio Central admite a existência das facções, mas garante que não há disputas entre elas. Nessa casa prisional, os Bala já dominariam uma galeria. Em Charqueadas, o grupo também já teria galerias na Pej e na Pasc.
A transferência de Paulo Márcio da Silva, o Maradona, para o Paraná, em abril, teria desencadeado a mudança no comando. Naquele momento, um "racha" dentro dos Bala teria causado uma série de homicídios. Agora, no entanto, as investigações do Denarc apontariam para a organização mais sólida do grupo. E de um modo diferente das organizações tradicionais.
– Não há um nome de líder. Nas ruas, eles seguem um estilo único, de se associar para dominar outras áreas – explica o delegado Rodrigo Zucco.
Nas cadeias, a forma de comando seguiria este mesmo modelo, como uma divisão por lotes de comando.
Das celas para as ruas
O fortalecimento dos Bala na Cara nas cadeias mantém as autoridades de segurança em alerta. É que o problema vai além das relações entre bandidos.
– A relação de forças entre facções se reflete diretamente nas fugas. São elas que determinam muitas vezes, pela pressão, quem pode continuar no presídio. Muitos alegam que fugiram por sofrerem ameaças. Em outros casos, as fugas são planejadas seguindo um comando das facções. No caso dos Bala na Cara, este tipo de situação não é raro – aponta Brzusca.
Nas ruas, a maior força tem reflexo na maior presença do tráfico e da disputa por ele, não raramente com mortes. Execuções entre os bairros Rubem Berta e Mario Quintana, na Zona Norte da Capital, e no Bairro Mathias Velho, em Canoas, são atribuídas diretamente à presença deste bando.
A novidade para a polícia seria a relação dos Bala também com o tráfico da Restinga. Um dos homens responsáveis pelo comando da facção nas cadeias – mais especificamente na Pasc – seria o mesmo apontado como líder de um dos três grupos em guerra desde o começo do ano na Restinga Velha. O bairro concentra o maior número de homicídios na Capital este ano. Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, já foram 49 assassinatos na Tinga.
Territórios em expansão
Entre a tarde de quinta e a madrugada de sexta, um dos redutos do novo poder dos Bala na Cara foi o principal alvo da ação do Denarc. Sob comando dos Bala na Cara, uma guerra foi travada entre traficantes do Bairro Mathias Velho, em Canoas. A guerra teria colocado os aliados do traficante conhecido como Fabio Noia – atualmente na Pasc – no poder, com o aval dos Bala.
Na chamada Operação Contenção, os agentes encontraram 37kg de maconha enterrados no pátio de uma casa deste bairro. Foram quatro homens e uma mulher presos. Segundo o delegado Rodrigo Zucco, todos soldados dos Bala na Cara.
Outro quilo da droga, uma pistola 9mm e um revólver calibre 38 foram apreendidos em Viamão e Alvorada. Nestes lugares, os policiais encontraram a comprovação de que, nos últimos meses, a organização se consolidou. Foram apreendidos dois carros – um IX-30 e um Honda Civic – clonados, com placas do Paraná. A polícia acredita que os veículos tenham vindo daquele Estado carregados com droga.
A constatação comprovaria uma investigação revelada em agosto pelo Denarc, quando os Bala na Cara cortavam a rede criada por Maradona para abastecer com drogas a Região Metropolitana. Unindo diversos traficantes, agora esta facção estaria trazendo drogas da fronteira com o Paraguai.
QUADRO:
A história do Bala na Cara
Em 2008 a quadrilha originada no Bairro Bom Jesus começou a ganhar fama pela violência com que eliminava seus rivais.
Em 2009, um relatório da Polícia Civil mostrava que o bando, liderado por Luís Fernando da Silva Junior, o Junior, havia migrado rapidamente dos roubos para o tráfico e praticamente eliminara os dois grupos dominantes até então na Bom Jesus. A partir dali, os Bala na Cara criavam um sistema de alianças em guerras pelo tráfico em outros bairros da cidade.
A partir do final de 2010, os Bala na Cara lideram uma série de conflitos pelo tráfico no tríplice limite entre Porto Alegre, Viamão e Alvorada. O local seria ponto estratégico para armazenamento de drogas e armas do bando.
A quadrilha já tem o respeito das facções tradicionais e se torna um braço armado de Os Manos, grupo liderado por Maradona.
Em abril deste ano, Maradona vira alvo de duas ações policiais e do Ministério Público, que revelam o poder da sua facção. Ele concentraria um verdadeiro consórcio do tráfico na região a partir da Pasc. Por isso, foi transferido para o Paraná.
Com Os Manos enfraquecidos, os Bala na Cara entram em guerra pelo poder das cadeias. Entre julho e setembro, uma série de homicídios são relacionados a esse "racha" na quadrilha.
Agora, os Bala na Cara já seriam comandantes de alas nos presídios gaúchos, o que lhes daria a grandeza de facção no mundo do crime. Diferente dos seus antecessores, eles não teriam um líder único e centralizador.
O que é uma facção
Uma facção alia criminosos de bandos unidos dentro da cadeia. Dentro desta organização, os bandidos criam suas próprias relações de poder e convivência. No Estado, há muitos anos as galerias estariam divididas entre Os Manos, Os Brasas e Os Abertos. Agora, os Bala na Cara têm suas galerias.
Quando saem do presídio, os criminosos devem lealdade à organização. Roubos ou o dinheiro do tráfico têm parte revertida ao benefício dos detentos e suas famílias. Em geral, o comando destes grupos parte da cela para a rua. Entre os Bala, muitas vezes a relação é invertida.
A presença
Nas cadeias: a terceira galeria do Pavilhão F, no Presídio Central; a primeira e a terceira galerias na Pej; duas galerias na Pasc; uma galeria no Instituto Penal Mariante; um setor na CSE, da Fase.
Nas ruas: Bom Jesus, Rubem Berta, Mario Quintana, Restinga, Serraria, Cohab Cavalhada (Porto Alegre); Alvorada, Viamão, Guaíba, Canoas.
DIÁRIO GAÚCHO 30/05/2013 | 08h19
Com matadores de aluguel, facção dos Bala na Cara vira "firma do tráfico" na Região Metropolitana. Em posição de comando nos principais presídios do Estado, líderes colocam em prática o seu método empresarial de mandar no tráfico
Eduardo Torres
Diante dos policiais, o guri de 14 anos, pequeno e magrinho, falava de assassinatos com naturalidade. Contabiliza na sua lista ao menos três vítimas desde que entrou para a criminalidade, aos oito anos. Mas, para a polícia, foram mais.
Desde o começo do mês, estava com um grupo de bandidos em um apartamento no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com a missão exclusiva de matar. Nem conhece direito aquela região. Pudera, veio da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital, a mando dos Bala na Cara.
- Onde me mandam, eu vou lá e mato - resumiu.
Facção quer crescer
Antes de ser levado para a Fase, o matador foi enfático: estava ali sob ordens do tráfico, e depois voltaria à sua base, esperando outra missão.
Personagens como ele seriam a ponta do projeto de crescimento dos Bala na Cara, alçados, desde 2011, à importância de facção nos presídios gaúchos. A quadrilha está presente em praticamente todas as guerras do tráfico na Região Metropolitana.
"São os agiotas do crime"
A investigação da Delegacia de Homicídios de Canoas é encarada como o fio condutor para entender como agem os Bala na Cara.
- Eles se tornaram agiotas do crime. O envio de matadores para "limpar a área" é parte desse pacote de serviços. Sabemos que a ordem parte da cadeia e vamos atrás dos líderes - garante o delegado Marco Guns.
Socorro a patrões em declínio
Com seus principais articuladores em posições de liderança nas galerias da Pasc, Pej e Presídio Central, os Bala na Cara teriam se tornado o socorro de patrões da droga decadentes. São traficantes endividados, tentando reerguer seus antigos domínios.
- Os Bala na Cara compram as dívidas desse criminoso, mas ele fica condicionado a comprar drogas exclusivo deles e dar parte dos lucros para a facção. Em troca, recebe armas e, quando precisa se livrar de devedores, desafetos ou há guerras pelas bocas, os matadores chegam na vila a mando dos Bala - diz um policial de Canoas.
Prisão em Canoas revela o método dos Bala na Cara
A polícia de Canoas teve a primeira pista do plano de retomada do tráfico no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com o suporte dos Bala, em dezembro do ano passado. Naquela época, a Brigada Militar prendeu, por porte ilegal de armas, dois homens de Porto Alegre que circulavam de carro pelo bairro. O detalhe estava no histórico dos dois: um, apontado como gerente do tráfico no Bairro Bom Jesus, o outro, como matador no Bairro Mario Quintana.
Este ano, no começo de maio, a investigação deslanchou. Os matadores dos Bala erraram o alvo. A ordem era executar um pequeno traficante que teria traído o "contratante" dos Bala, comprando drogas de outro fornecedor. Porém, mataram um comparsa dele. Dênis Antônio da Silva Prado, 18 anos, foi morto com um tiro na cabeça no dia 6 de maio.
- Essa "falha" forçou eles a mudarem o método. Antes, sabíamos que o pessoal vinha até a Mathias, cumpria a ordem e voltava. Agora, estavam até procurando casas para alugar. Provavelmente se estabeleceriam aqui, depois de cumprirem a ordem de execução - diz um policial.
Matadores ficaram na cidade
Sábado passado, o grupo, que permaneceu na cidade, tentou matar o traficante. Na segunda, a Operação Contundência apreendeu quatro adolescentes entre 14 e 17 anos, um jovem de 18 anos e um casal de 30 anos em um apartamento na Rua Santo Ângelo. Com eles, foram apreendidos dois revólveres calibre 38, um calibre 32, além de uma pistola .40.
Os três adolescentes - um deles, o guri de 14 anos - e o jovem vinham do Bairro Mario Quintana, na Capital.
"Os invisíveis"
O trunfo das parcerias da facção está na "invisibilidade". As informações sobre homicídios até chegam à polícia, todos sabem quem supostamente mandou cometer os crimes. Sabem também que os Bala na Cara estão no meio. Mas testemunhas são incapazes de reconhecer quem comete os crimes.
- Nossa grande dificuldade é sempre identificar quem atirou, porque são pessoas desconhecidas na vila - aponta Marco Guns.
No crime, desde os oito anos
O guri de 14 anos apreendido em Canoas, é um dos dez filhos de uma família pobre da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital. Chegou a ajudar o pai no trabalho de flanelinha, mas o viu morrer antes de completar 30 anos, corroído por crack e cachaça. Aos oito anos, como ele mesmo descreve, "colou com uma gurizada do crime". Aos 14, já adquiriu prestígio de matador entre os Bala na Cara. É a ele que os gerentes recorrem no momento de cumprir as ordens do comando.
- Eu gosto é de ver o sangue ainda quentinho, escorrendo dos caras, sabe. Tenho sangue nos olhos - gabava-se o guri no depoimento prestado à Delegacia de Homicídios, de Canoas, na segunda-feira.
Ele saiu do verdadeiro criatório de soldados da facção, com o perfil procurado e protegido pelos líderes.
- Eu nem conheço trabalhador, também não mexo com família. Só mato vagabundo. Eles me dão o que tem que dar por isso, eu mato, e pronto. Não sou mais soldadinho - disse, garantindo que já matou outros antes do crime do dia 6 de maio, no Mathias Velho. Em todas as vezes anteriores, revelou, "alguém abraçou a bronca".
Adolescentes matam para ganhar prestígio
A suspeita da polícia é de que os soldados desse exército do tráfico saem do Bom Jesus, Mario Quintana, Vila Esqueleto, Vila Mapa e Vila dos Sargentos - locais de Porto Alegre onde os Bala já conseguiram construir bases mais sólidas. São os principais comandados para missões nas áreas aliadas. Matam, segundo os investigadores de Canoas, pelo prestígio dentro da organização.
- Imagine o caso desse menino, sem nenhuma perspectiva, que ganhou uma pistola. O pagamento para ele é esse status entre os criminosos - resume o delegado Marco Antônio Guns.
DIÁRIO GAÚCHO
Grupo criminoso formado no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, busca expansão no tráfico de drogas com o emprego da violência nas ruas
Os suspeitos movimentam, em média, segundo a polícia, 5 kg de maconha, 4 kg de crack e 3 kg de cocaína em EldoradoFoto: Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Por ter na ficha criminal a morte de duas crianças, outros cinco homicídios, dez roubos e sete furtos, Jeferson dos Santos Lopes, 29 anos, o Pequeno, ocupa um lugar de destaque na organização criminosa Bala na Cara, nascida nos anos 2000 no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. Pequeno galgou os degraus no bando pela violência e crueldade, as marcas registradas dos seus liderados.
– A função dele é abrir novos territórios. Faz isso matando os rivais, inclusive crianças – descreve o delegado Alencar Carraro, de Eldorado do Sul, que comandou a detenção de 33 pessoas na Operação Delta, a maioria dos Bala na Cara. Pequeno cumpre uma pena de 57 anos na Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ).
Em maio, ele foi indiciado pela morte, com dois tiros, do menino Derick dos Santos Fernandes, de apenas dois meses, e, em abril de 2007, pela execução de Tiago da Silva Farias, seis anos. Os dois assassinatos ocorreram durante a disputa por pontos de droga. Elisandra dos Santos Lopes, 24 anos, mulher de Pequeno, foi recolhida nesta quarta-feira por participação nos homicídios.
Outra liderança da facção criminosa – Luis Fernando Soares da Silva Júnior, o Júnior Perneta – foi preso há 15 dias e levado para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). As detenções fazem parte de uma estratégia da Polícia Civil de retirar de circulação membros importantes dos Bala na Cara.
A organização, ao contrário de outras como Os Manos e Os Brasas, que ganharam força e poder dentro dos presídios, atua principalmente nas ruas e busca expansão para a Região Metropolitana.
Crédito: Ronaldo Bernardi
– Como o nome já diz, a metodologia deles é tomar o negócio na violência. Eles têm representação no Presídio Central e na PEJ, mas o que vemos é que, por conta do que fazem na rua, são proibidos de entrar nas galerias dos estabelecimentos onde eles não têm líderes – diz Gilmar Bortolotto, da Promotoria Especializada de Controle e Execução Criminal de Porto Alegre.
Guerra Civil da Bom Jesus
Os "Bala" se diferenciam do perfil dos traficantes tradicionais porque, segundo fontes policiais ouvidas por Zero Hora, pulverizam o controle das drogas entre ladrões e homicidas. Em 2009, quando foi anunciada a criação de um Território da Paz no Bom Jesus, o bairro chorava a morte de 14 pessoas, supostamente atribuídas ao bando.
– Pequeno se fez respeitar entre os bandidos pela sua crueldade – descreve o delegado Bolívar Llantada, que em 2007 era titular da Delegacia de Homicídios e hoje é do Grupamento de Operações Especiais (GOP).
Llantada combateu os Bala na Cara no auge da organização, quando ela disputava território com outras duas gangues, Os Mirandas e Os Bragés, donos da maioria das bocas de fumo do bairro Bom Jesus. Houve diversas mortes promovidas entre as quadrilhas, no episódio que ficou conhecido como Guerra Civil da Bonja.
Operação Delta
O grupo preso nesta quarta-feira em operação policial na Região Metropolitana é investigado por pelo menos 20 homicídios no último ano. De acordo com a Polícia Civil, a maioria dos 33 detidos pertence aos Bala na Cara.
O negócio da quadrilha é baseado no tráfico de drogas, e os assassinatos são para manter o poder e respeito. Os suspeitos movimentam, em média, segundo a polícia, 5 kg de maconha, 4 kg de crack e 3 kg de cocaína em Eldorado do Sul. A cidade foi escolhida para ser uma espécie de sucursal do bairro Bom Jesus.
ZERO HORA
DIÁRIO GAÚCHO 26/12/2011 | 07h24
Grupo Bala na Cara avança seu domínio
A troca no comando do crime está configurada nas cadeias gaúchas. De uma quadrilha violenta de traficantes, os Bala na Cara já teriam status de facção entres os bandidos. Bando domina galerias no Central e em Charqueadas
EDUARDO TORRES
A descoberta de 37kg de maconha enterrados no pátio de uma casa no Bairro Mathias Velho, em Canoas, na última quinta, significou, para a polícia, mais do que uma apreensão corriqueira de drogas. Foi a demonstração da consolidação de poder dos Bala na Cara na Região Metropolitana. Dentro e fora das cadeias. A polícia já tem elementos que comprovam a transformação do bando originário da Bom Jesus em uma facção organizada.
– Os Bala na Cara dominam algumas galerias dentro dos presídios gaúchos, e pode-se dizer que são uma moda entre os detentos. Diferente de outras facções já conhecidas, como Os Manos ou Os Brasas, eles não surgem de dentro para fora da cadeia. É uma ordem que vem de fora, e hoje é uma das dominantes no sistema carcerário – confirma o juiz da Vara de Execuções Criminais, Sidinei Brzuska.
Segundo ele, as primeiras informações dos Bala na Cara na cadeia teriam chegado à Justiça há dois anos. Hoje, o grupo estaria no auge, como uma moda entre os criminosos, fortalecidos a partir do Presídio Central.
– Nenhuma facção sobrevive sem a força do Central. A partir do momento que se tem o domínio dessa área, a tendência é se sobrepor aos rivais pelo amedrontamento – diz o juiz.
A Força-Tarefa da Brigada Militar que administra o Presídio Central admite a existência das facções, mas garante que não há disputas entre elas. Nessa casa prisional, os Bala já dominariam uma galeria. Em Charqueadas, o grupo também já teria galerias na Pej e na Pasc.
A transferência de Paulo Márcio da Silva, o Maradona, para o Paraná, em abril, teria desencadeado a mudança no comando. Naquele momento, um "racha" dentro dos Bala teria causado uma série de homicídios. Agora, no entanto, as investigações do Denarc apontariam para a organização mais sólida do grupo. E de um modo diferente das organizações tradicionais.
– Não há um nome de líder. Nas ruas, eles seguem um estilo único, de se associar para dominar outras áreas – explica o delegado Rodrigo Zucco.
Nas cadeias, a forma de comando seguiria este mesmo modelo, como uma divisão por lotes de comando.
Das celas para as ruas
O fortalecimento dos Bala na Cara nas cadeias mantém as autoridades de segurança em alerta. É que o problema vai além das relações entre bandidos.
– A relação de forças entre facções se reflete diretamente nas fugas. São elas que determinam muitas vezes, pela pressão, quem pode continuar no presídio. Muitos alegam que fugiram por sofrerem ameaças. Em outros casos, as fugas são planejadas seguindo um comando das facções. No caso dos Bala na Cara, este tipo de situação não é raro – aponta Brzusca.
Nas ruas, a maior força tem reflexo na maior presença do tráfico e da disputa por ele, não raramente com mortes. Execuções entre os bairros Rubem Berta e Mario Quintana, na Zona Norte da Capital, e no Bairro Mathias Velho, em Canoas, são atribuídas diretamente à presença deste bando.
A novidade para a polícia seria a relação dos Bala também com o tráfico da Restinga. Um dos homens responsáveis pelo comando da facção nas cadeias – mais especificamente na Pasc – seria o mesmo apontado como líder de um dos três grupos em guerra desde o começo do ano na Restinga Velha. O bairro concentra o maior número de homicídios na Capital este ano. Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, já foram 49 assassinatos na Tinga.
Territórios em expansão
Entre a tarde de quinta e a madrugada de sexta, um dos redutos do novo poder dos Bala na Cara foi o principal alvo da ação do Denarc. Sob comando dos Bala na Cara, uma guerra foi travada entre traficantes do Bairro Mathias Velho, em Canoas. A guerra teria colocado os aliados do traficante conhecido como Fabio Noia – atualmente na Pasc – no poder, com o aval dos Bala.
Na chamada Operação Contenção, os agentes encontraram 37kg de maconha enterrados no pátio de uma casa deste bairro. Foram quatro homens e uma mulher presos. Segundo o delegado Rodrigo Zucco, todos soldados dos Bala na Cara.
Outro quilo da droga, uma pistola 9mm e um revólver calibre 38 foram apreendidos em Viamão e Alvorada. Nestes lugares, os policiais encontraram a comprovação de que, nos últimos meses, a organização se consolidou. Foram apreendidos dois carros – um IX-30 e um Honda Civic – clonados, com placas do Paraná. A polícia acredita que os veículos tenham vindo daquele Estado carregados com droga.
A constatação comprovaria uma investigação revelada em agosto pelo Denarc, quando os Bala na Cara cortavam a rede criada por Maradona para abastecer com drogas a Região Metropolitana. Unindo diversos traficantes, agora esta facção estaria trazendo drogas da fronteira com o Paraguai.
QUADRO:
A história do Bala na Cara
Em 2008 a quadrilha originada no Bairro Bom Jesus começou a ganhar fama pela violência com que eliminava seus rivais.
Em 2009, um relatório da Polícia Civil mostrava que o bando, liderado por Luís Fernando da Silva Junior, o Junior, havia migrado rapidamente dos roubos para o tráfico e praticamente eliminara os dois grupos dominantes até então na Bom Jesus. A partir dali, os Bala na Cara criavam um sistema de alianças em guerras pelo tráfico em outros bairros da cidade.
A partir do final de 2010, os Bala na Cara lideram uma série de conflitos pelo tráfico no tríplice limite entre Porto Alegre, Viamão e Alvorada. O local seria ponto estratégico para armazenamento de drogas e armas do bando.
A quadrilha já tem o respeito das facções tradicionais e se torna um braço armado de Os Manos, grupo liderado por Maradona.
Em abril deste ano, Maradona vira alvo de duas ações policiais e do Ministério Público, que revelam o poder da sua facção. Ele concentraria um verdadeiro consórcio do tráfico na região a partir da Pasc. Por isso, foi transferido para o Paraná.
Com Os Manos enfraquecidos, os Bala na Cara entram em guerra pelo poder das cadeias. Entre julho e setembro, uma série de homicídios são relacionados a esse "racha" na quadrilha.
Agora, os Bala na Cara já seriam comandantes de alas nos presídios gaúchos, o que lhes daria a grandeza de facção no mundo do crime. Diferente dos seus antecessores, eles não teriam um líder único e centralizador.
O que é uma facção
Uma facção alia criminosos de bandos unidos dentro da cadeia. Dentro desta organização, os bandidos criam suas próprias relações de poder e convivência. No Estado, há muitos anos as galerias estariam divididas entre Os Manos, Os Brasas e Os Abertos. Agora, os Bala na Cara têm suas galerias.
Quando saem do presídio, os criminosos devem lealdade à organização. Roubos ou o dinheiro do tráfico têm parte revertida ao benefício dos detentos e suas famílias. Em geral, o comando destes grupos parte da cela para a rua. Entre os Bala, muitas vezes a relação é invertida.
A presença
Nas cadeias: a terceira galeria do Pavilhão F, no Presídio Central; a primeira e a terceira galerias na Pej; duas galerias na Pasc; uma galeria no Instituto Penal Mariante; um setor na CSE, da Fase.
Nas ruas: Bom Jesus, Rubem Berta, Mario Quintana, Restinga, Serraria, Cohab Cavalhada (Porto Alegre); Alvorada, Viamão, Guaíba, Canoas.
DIÁRIO GAÚCHO 30/05/2013 | 08h19
Eduardo Torres
Diante dos policiais, o guri de 14 anos, pequeno e magrinho, falava de assassinatos com naturalidade. Contabiliza na sua lista ao menos três vítimas desde que entrou para a criminalidade, aos oito anos. Mas, para a polícia, foram mais.
Desde o começo do mês, estava com um grupo de bandidos em um apartamento no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com a missão exclusiva de matar. Nem conhece direito aquela região. Pudera, veio da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital, a mando dos Bala na Cara.
- Onde me mandam, eu vou lá e mato - resumiu.
Facção quer crescer
Antes de ser levado para a Fase, o matador foi enfático: estava ali sob ordens do tráfico, e depois voltaria à sua base, esperando outra missão.
Personagens como ele seriam a ponta do projeto de crescimento dos Bala na Cara, alçados, desde 2011, à importância de facção nos presídios gaúchos. A quadrilha está presente em praticamente todas as guerras do tráfico na Região Metropolitana.
"São os agiotas do crime"
A investigação da Delegacia de Homicídios de Canoas é encarada como o fio condutor para entender como agem os Bala na Cara.
- Eles se tornaram agiotas do crime. O envio de matadores para "limpar a área" é parte desse pacote de serviços. Sabemos que a ordem parte da cadeia e vamos atrás dos líderes - garante o delegado Marco Guns.
Socorro a patrões em declínio
Com seus principais articuladores em posições de liderança nas galerias da Pasc, Pej e Presídio Central, os Bala na Cara teriam se tornado o socorro de patrões da droga decadentes. São traficantes endividados, tentando reerguer seus antigos domínios.
- Os Bala na Cara compram as dívidas desse criminoso, mas ele fica condicionado a comprar drogas exclusivo deles e dar parte dos lucros para a facção. Em troca, recebe armas e, quando precisa se livrar de devedores, desafetos ou há guerras pelas bocas, os matadores chegam na vila a mando dos Bala - diz um policial de Canoas.
Prisão em Canoas revela o método dos Bala na Cara
A polícia de Canoas teve a primeira pista do plano de retomada do tráfico no Bairro Mathias Velho, em Canoas, com o suporte dos Bala, em dezembro do ano passado. Naquela época, a Brigada Militar prendeu, por porte ilegal de armas, dois homens de Porto Alegre que circulavam de carro pelo bairro. O detalhe estava no histórico dos dois: um, apontado como gerente do tráfico no Bairro Bom Jesus, o outro, como matador no Bairro Mario Quintana.
Este ano, no começo de maio, a investigação deslanchou. Os matadores dos Bala erraram o alvo. A ordem era executar um pequeno traficante que teria traído o "contratante" dos Bala, comprando drogas de outro fornecedor. Porém, mataram um comparsa dele. Dênis Antônio da Silva Prado, 18 anos, foi morto com um tiro na cabeça no dia 6 de maio.
- Essa "falha" forçou eles a mudarem o método. Antes, sabíamos que o pessoal vinha até a Mathias, cumpria a ordem e voltava. Agora, estavam até procurando casas para alugar. Provavelmente se estabeleceriam aqui, depois de cumprirem a ordem de execução - diz um policial.
Matadores ficaram na cidade
Sábado passado, o grupo, que permaneceu na cidade, tentou matar o traficante. Na segunda, a Operação Contundência apreendeu quatro adolescentes entre 14 e 17 anos, um jovem de 18 anos e um casal de 30 anos em um apartamento na Rua Santo Ângelo. Com eles, foram apreendidos dois revólveres calibre 38, um calibre 32, além de uma pistola .40.
Os três adolescentes - um deles, o guri de 14 anos - e o jovem vinham do Bairro Mario Quintana, na Capital.
"Os invisíveis"
O trunfo das parcerias da facção está na "invisibilidade". As informações sobre homicídios até chegam à polícia, todos sabem quem supostamente mandou cometer os crimes. Sabem também que os Bala na Cara estão no meio. Mas testemunhas são incapazes de reconhecer quem comete os crimes.
- Nossa grande dificuldade é sempre identificar quem atirou, porque são pessoas desconhecidas na vila - aponta Marco Guns.
No crime, desde os oito anos
O guri de 14 anos apreendido em Canoas, é um dos dez filhos de uma família pobre da Vila Safira, no Bairro Mario Quintana, Zona Norte da Capital. Chegou a ajudar o pai no trabalho de flanelinha, mas o viu morrer antes de completar 30 anos, corroído por crack e cachaça. Aos oito anos, como ele mesmo descreve, "colou com uma gurizada do crime". Aos 14, já adquiriu prestígio de matador entre os Bala na Cara. É a ele que os gerentes recorrem no momento de cumprir as ordens do comando.
- Eu gosto é de ver o sangue ainda quentinho, escorrendo dos caras, sabe. Tenho sangue nos olhos - gabava-se o guri no depoimento prestado à Delegacia de Homicídios, de Canoas, na segunda-feira.
Ele saiu do verdadeiro criatório de soldados da facção, com o perfil procurado e protegido pelos líderes.
- Eu nem conheço trabalhador, também não mexo com família. Só mato vagabundo. Eles me dão o que tem que dar por isso, eu mato, e pronto. Não sou mais soldadinho - disse, garantindo que já matou outros antes do crime do dia 6 de maio, no Mathias Velho. Em todas as vezes anteriores, revelou, "alguém abraçou a bronca".
Adolescentes matam para ganhar prestígio
A suspeita da polícia é de que os soldados desse exército do tráfico saem do Bom Jesus, Mario Quintana, Vila Esqueleto, Vila Mapa e Vila dos Sargentos - locais de Porto Alegre onde os Bala já conseguiram construir bases mais sólidas. São os principais comandados para missões nas áreas aliadas. Matam, segundo os investigadores de Canoas, pelo prestígio dentro da organização.
- Imagine o caso desse menino, sem nenhuma perspectiva, que ganhou uma pistola. O pagamento para ele é esse status entre os criminosos - resume o delegado Marco Antônio Guns.
DIÁRIO GAÚCHO