R7 5/5/2014 às 00h15
Especialistas falam como é o júri do PCC nas favelas paulista
A Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru, onde ocorreu o primeiro tribunal do crime, em 1993Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/05.10.1992
O domínio do PCC em regiões da cidade não apenas inibe as rondas policiais, mas também rege a relação entre os moradores. Os chamados tribunais do crime julgam e punem erros de procedimento de pessoas ligadas ou não à facção.
O jornalista e escritor Percival de Souza, comentarista da Rede Record, é um dos maiores estudiosos da estrutura do crime organizado no País. No seu livro Sindicato do Crime – PCC e outros grupos, ele explica como funcionam os tribunais.
Um “irmão” (forma como se tratam os integrantes do PCC) pode ser julgado, entre outras coisas, por permitir apreensões de drogas, prisões e mortes de integrantes; denunciar parceiros ou operações do grupo à polícia, negar suporte exigido pela organização à família de componentes e cometer violência física ou sexual gratuita em comunidades onde funcionam partes da organização.
O jornalista detalha:
— O PCC tem essas regras definidas num estatuto. Há o comando central, do qual fazem parte Marcola, Júlio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, e outros líderes supremos. Essa cúpula define as situações em que serão montados os tribunais de escalões inferiores e superiores, formados por integrantes chamados por eles de “disciplinas”.
As penitenciárias, no vocabulário do grupo, são as “faculdades”. A explicação: nelas o PCC “ministra cursos” para ensinar práticas criminosas como transportar drogas em grande quantidade e explodir caixas eletrônicos.
Percival enumera os delitos mais comuns julgados pelos tribunais:
— No formato, os tribunais de disciplina reproduzem o modelo da sociedade. Há o acusado, o acusador, a possibilidade de defesa, a comissão julgadora e, por fim, a pena. Com uma diferença em relação à vida real: quase não há absolvição. Praticamente todos são condenados. As penas podem ir do afastamento temporário ou definitivo dos negócios do PCC (basicamente tráfico de drogas em grande escala, roubo a bancos, explosões de caixas eletrônicos e assalto a grandes empresas) à execução do acusado.
Percival de Souza acrescenta dois pontos curiosos:
— Os líderes do PCC não acreditam ou consideram que os setores de inteligência da polícia sejam capazes de identificar uma operação bem planejada e executada sem erros pelo grupo. Para eles, se a casa caiu é porque houve ação de dedo-duro ou falha grave. Logo, a punição deve existir.
Primeira jornalista a relatar a existência da facção criminosa, Fatima Souza, autora do livro PCC, A Facção, afirma que o primeiro tribuna aconteceu dentro da Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru, em 1996.
Ela afirma que o tribunal é formado por onze jurados. No caso, as principais lideranças da facção na região. Os jurados podem estar presentes ou falarem por meio de telefones celulares ou rádio.
— A maior parte das condenações a morte ocorreu por causa de desvio de dinheiro da facção.
Segundo Fatima, o fato de os tribunais terem se estendido para além das muralhas dos presídios fez com que pessoas que vivem nas comunidades onde a facção atua passassem também a procurar as lideranças do crime organizado para resolver pequenas questões.
— Houve um caso em uma comunidade do Jaguaré em que, após um incêndio, os integrantes da facção foram procurados para que os assistentes sociais da prefeitura não deixassem o local antes de terminar o cadastramento, o que de fato aconteceu.