quinta-feira, 29 de maio de 2014

O PCC E OS ÔNIBUS


O Estado de S.Paulo 29 de maio de 2014 | 2h 09


EDITORIAL




É da maior importância a investigação conduzida pela Polícia Civil para determinar se existe ou não ligação do Primeiro Comando da Capital (PCC) com os perueiros, que são um dos pilares do serviço de ônibus da capital paulista. Isso deveria ter sido feito há mais tempo, porque a suspeita já é antiga e porque é evidente o risco para a segurança pública e o serviço de transporte da cidade de uma possível infiltração nele daquela organização criminosa que, comandada de dentro dos presídios, continua a expandir suas atividades aqui fora.

O que chamou a atenção para o caso foi a informação de que, durante diligência feita em março para apurar a presença de integrantes do PCC em ataques a ônibus em São Paulo, a polícia constatou que o deputado estadual Luiz Moura (PT), ligado ao secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, estava presente em reunião da qual participavam nove suspeitos de pertencer àquela organização.

Moura negou que sua presença ali tivesse qualquer conotação criminosa - ele não estava entre as 42 pessoas levadas ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) para prestar esclarecimentos -, mas isso não impediu que a direção do PT em São Paulo formasse uma comissão para ouvir suas explicações a respeito das suspeitas que envolvem seu nome. Se nem seu próprio partido se deu por satisfeito com sua negativa pura e simples, nada mais natural que a população também queira saber mais a respeito.

É claro que a eventual confirmação da ligação de Moura com elementos do PCC daria outra dimensão ao caso, mas independentemente disso ele é grave o suficiente para merecer atenção da polícia. Que há algo no mínimo estranho na reunião, realizada na sede da cooperativa de perueiros Transcooper, parece claro. Basta dizer que, além dos nove suspeitos de ligação com o PCC, ali estava - e foi detido - Carlos Roberto Maia, conhecido como Carlinhos Alfaiate, "famoso ladrão de banco dos anos 1990", segundo a polícia. Outros têm "vida pregressa negativa, com passagens por crimes contra o patrimônio". São companhia nada recomendável, para dizer o mínimo.

A polícia suspeita que integrantes do PCC sejam donos de micro-ônibus e vans colocados em nomes de "laranjas". Por isso, vai investigar quem são os perueiros registrados na Prefeitura e no nome de quem estão os veículos. Assim, poderá verificar se eles têm como justificar a propriedade de micro-ônibus e vans das cooperativas que integram o sistema de transporte público.

Esse é um bom negócio. Os perueiros são pagos pela Prefeitura com base no que arrecadam diariamente e, dependendo na linha, recebem até R$ 1,2 mil por dia. De acordo com a São Paulo Transportes (SPTrans), empresa que gerencia o serviço de ônibus, o proprietário de cada veículo recebe em média R$ 25,7 mil por mês. Não faltam atrativos para ao mesmo tempo obter lucro e lavar dinheiro do PCC.

Os indícios de que o crime organizado vê um rico filão para seus "negócios" nas cooperativas de perueiros são muitos e fortes. É um setor ainda novo - ao contrário do dos ônibus, já ocupado há muito por empresas consolidadas - e, portanto, vulnerável a aventureiros. E a reunião descoberta pela polícia só reforça a impressão de que eles não perderam tempo.

Outro forte e inquietante indício está nos incêndios criminosos de ônibus, que não param de crescer. Desde o início do ano, foram 76 veículos incendiados, bem mais do que o total de 2013 (66). Casos de micro-ônibus e vans são, ao contrário, raríssimos. Por que, justamente nesses que compõem o setor que seria objeto da cobiça do PCC ninguém toca? Como o serviço que eles prestam não é melhor do que o dos ônibus, não estão sendo poupados pela sua qualidade.

A polícia precisa esclarecer essas dúvidas o quanto antes e, se confirmadas suas suspeitas, agir com o máximo rigor. O controle de uma parte importante do serviço de ônibus da maior cidade do País pelo PCC - que mais uma vez demonstraria que sua ousadia não conhece limites - é inaceitável.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

PRISÃO DO LÍDER DOS BALA NA CARA

DIÁRIO GAÚCHO 15/05/2014 | 10h01

Líder dos Bala na Cara é preso na Capital. Rafael Telles da Silva, o Sapo, 26 anos, foi preso na noite de terça-feira com outros três homens, em um Fox com placas clonadas no Bairro Sarandi



Rafael Telles da Silva, o Sapo, gerente do tráfico da facção Bala na Cara foi preso no Bairro SarandiFoto: divulgação / Brigada Militar/Divulgação


Carlos Ismael Moreira


O homem apontado com o principal articulador das ações da facção Bala na Cara foi preso em flagrante na noite de terça-feira, em Porto Alegre. Rafael Telles da Silva, o Sapo, 26 anos, seria o gerente de tráfico do bando. Ele e outros três homens foram capturados por PMs do 20º BPM, em um Fox branco com placas clonadas, parado em uma abordagem de rotina na Rua Osmar Gomes, no Bairro Sarandi, por volta das 20h30.

Com os quatro, os PMs ainda apreenderam cerca de R$ 14 mil. O quarteto foi levado para a 3ª DPPA, para registro do flagrante. De lá, foram encaminhados para o Presídio Central.

Condenado a 14 anos e três meses de reclusão por homicídio qualificado, Sapo ganhou o direito de progressão para o regime semiaberto em outubro do ano passado. A Justiça, porém, determinou que ele desse sequência ao cumprimento da pena em casa, por falta de vagas no semiaberto. Antes, ele já havia passado pela Penitenciária Estadual do Jacuí (Pej) e pela Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), instituições onde cumpriu seis anos e quatro meses do total de sua condenação.

Mesmo antes de ganhar as ruas, Sapo sempre teve papel importante na facção. Ele é um dos líderes desde o começo dos Bala na Cara, em 2007, quando o bando que comandava algumas bocas de fumo no Bairro Bom Jesus passou a chamar a atenção da polícia. Em 2009, o nome dele já aparecia em um relatório confidencial sobre o bando, que circulava pelo alto escalão da Segurança no Estado.

No documento, revelado à época pelo Diário Gaúcho, Sapo aparecia como o encarregado de gerenciar, de dentro da Pej - onde estava recolhido - a distribuição da droga e o comércio nas bocas da quadrilha.

Facção cresceu

A partir de 2007, quando surgiram, os Bala derrubaram as gangues rivais no Bom Jesus e passaram a dominar a área. Com ataques a bancos e joalherias, o bando cresceu. Passou a se organizar como uma espécie de franquia, financiando armas e soldados para outras gangues na Região Metropolitana que, em troca, passavam a vender a droga dos Bala.

Sapo seria um dos líderes de todo o esquema, ao lado de pelo menos um comparsa, Fábio Fogassa, o Alemão Lico, 36 anos, que atualmente está preso na Pasc e acumula uma pena total de 46 anos e seis meses de condenações por roubo, tentativa de homicídio e homicídio.

Denarc não comenta

O Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) admite a existência de investigações sobre os Bala na Cara como quadrilha de tráfico na Região Metropolitana, mas evita comentar qualquer detalhe sobre o bando.

- Existe organização? Existe. Mas eu não valorizo a ação desses criminosos mais do que as de quaisquer outros. Daqui a pouco, criamos um PCC, como em São Paulo - declarou o diretor da Divisão de Investigações do Denarc, delegado Cleber Lima.

Morte por um boné

A ficha criminal de Sapo acumula diversas ocorrências por roubo, lesão corporal, furto e um homicídio, pelo qual foi condenado. O assassinato foi cometido em março de 2007, dentro da Fundação de Assistência Social (Fasc) da Capital. Acompanhado de outros dois comparsas, Rafael entrou na instituição e matou a tiros Edilson Lorenço de Oliveira.

O crime teria sido motivado por uma vingança. Quatro anos antes do crime, um primo de Sapo teria tentado roubar o boné de Edilson, que reagiu e bateu no ladrão. A partir daí, Edilson teria ficado jurado de morte.

Condenado a 14 anos e três meses de prisão, Sapo começou a cumprir a pena em regime fechado na Pej. Em agosto de 2012, foi transferido para a Pasc, mas retornou à Pej em dezembro. Em maio do ano passado, voltou para a Pasc e, em outubro, progrediu para o semiaberto, com o direito de cumprir o restante da pena em casa. Levado ontem para o Presídio Central, deve regredir para o regime fechado.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

COM TRIBUNAIS DO CRIME, FACÇÃO EXERCE SEU PODER

R7 5/5/2014 às 00h15

Especialistas falam como é o júri do PCC nas favelas paulista



A Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru, onde ocorreu o primeiro tribunal do crime, em 1993Itamar Miranda/Estadão Conteúdo/05.10.1992

O domínio do PCC em regiões da cidade não apenas inibe as rondas policiais, mas também rege a relação entre os moradores. Os chamados tribunais do crime julgam e punem erros de procedimento de pessoas ligadas ou não à facção.

O jornalista e escritor Percival de Souza, comentarista da Rede Record, é um dos maiores estudiosos da estrutura do crime organizado no País. No seu livro Sindicato do Crime – PCC e outros grupos, ele explica como funcionam os tribunais.

Um “irmão” (forma como se tratam os integrantes do PCC) pode ser julgado, entre outras coisas, por permitir apreensões de drogas, prisões e mortes de integrantes; denunciar parceiros ou operações do grupo à polícia, negar suporte exigido pela organização à família de componentes e cometer violência física ou sexual gratuita em comunidades onde funcionam partes da organização.

O jornalista detalha:

— O PCC tem essas regras definidas num estatuto. Há o comando central, do qual fazem parte Marcola, Júlio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, e outros líderes supremos. Essa cúpula define as situações em que serão montados os tribunais de escalões inferiores e superiores, formados por integrantes chamados por eles de “disciplinas”.

As penitenciárias, no vocabulário do grupo, são as “faculdades”. A explicação: nelas o PCC “ministra cursos” para ensinar práticas criminosas como transportar drogas em grande quantidade e explodir caixas eletrônicos.

Percival enumera os delitos mais comuns julgados pelos tribunais:

— No formato, os tribunais de disciplina reproduzem o modelo da sociedade. Há o acusado, o acusador, a possibilidade de defesa, a comissão julgadora e, por fim, a pena. Com uma diferença em relação à vida real: quase não há absolvição. Praticamente todos são condenados. As penas podem ir do afastamento temporário ou definitivo dos negócios do PCC (basicamente tráfico de drogas em grande escala, roubo a bancos, explosões de caixas eletrônicos e assalto a grandes empresas) à execução do acusado.

Percival de Souza acrescenta dois pontos curiosos:

— Os líderes do PCC não acreditam ou consideram que os setores de inteligência da polícia sejam capazes de identificar uma operação bem planejada e executada sem erros pelo grupo. Para eles, se a casa caiu é porque houve ação de dedo-duro ou falha grave. Logo, a punição deve existir.

Primeira jornalista a relatar a existência da facção criminosa, Fatima Souza, autora do livro PCC, A Facção, afirma que o primeiro tribuna aconteceu dentro da Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru, em 1996.

Ela afirma que o tribunal é formado por onze jurados. No caso, as principais lideranças da facção na região. Os jurados podem estar presentes ou falarem por meio de telefones celulares ou rádio.

— A maior parte das condenações a morte ocorreu por causa de desvio de dinheiro da facção.

Segundo Fatima, o fato de os tribunais terem se estendido para além das muralhas dos presídios fez com que pessoas que vivem nas comunidades onde a facção atua passassem também a procurar as lideranças do crime organizado para resolver pequenas questões.

— Houve um caso em uma comunidade do Jaguaré em que, após um incêndio, os integrantes da facção foram procurados para que os assistentes sociais da prefeitura não deixassem o local antes de terminar o cadastramento, o que de fato aconteceu.