
POR DIOGO VARGAS E FELIPE PEREIRA
ZERO HORA 13 de abril de 2013 | N° 17401
A fundação do PGC
Os fundadores do PGC se organizaram na cadeia. Os primeiros ensaios do que viria a se transformar numa legião de detentos surgiram em 2001, na chamada Ala Máxima da Penitenciária de Florianópolis. Em março de 2003, quando o Estado começava a planejar o envio de presos para a recém-construída Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, presos fundaram a facção, chamada inicialmente de “G” (O Grupo).
Ali se juntaram detentos de alta periculosidade, que viriam a se comunicar e tramar crimes da prisão para as ruas. A liderança foi fundamentada em uma espécie de “primeiro ministério”, sem líder máximo e com 10 presos encabeçando as decisões, aliciando, ameaçando e até mesmo determinando o extermínio de testemunhas. Na prática, as decisões mais importantes, como matar aliados e desafetos, passam pelo colegiado dos criminosos. Segundo a polícia, a facção cresceu de forma vertiginosa a partir de maio de 2003, no mesmo formato do Comando Vermelho, no Rio, e do Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.
Aos moldes da máfia
O Ministério Público de SC compara o PGC com organização típica da máfia: compartilham atividades, as delegam aos seus integrantes, se aliam em ações criminosas e de terrorismo. Os promotores, que avalizaram a investigação da Polícia Civil, citam no inquérito o mercado ilegal do crime organizado característico e as divisões existentes neste submundo.
Em uma esfera mais baixa estão os que se dedicam ao tráfico de drogas, sequestros, roubos, aluguel de armas, ataques a bancos e cargas. Esses criminosos costumam se envolver nas comunidades. Praticam ações sociais locais para aumentar a sua proteção local com base na lei do silêncio. Num nível um pouco mais acima estão os que conseguem estabelecer conexões para fora da periferia. É esse grupo que faz a ponte entre a rua e a cadeia e cumpre as ordens de líderes presos. No nível mais elevado estão criminosos que conseguem conexões com organizações de maior abrangência, promovendo corrupção e facilidades mesmo da cadeia.
QG dos criminosos
A Penitenciária de São Pedro de Alcântara ficou conhecida por ser a origem das ordens para os atentados e por abrigar o quartel-general do PGC. Consequência de um histórico de problemas desde a inauguração da cadeia. Em maio de 2003, a unidade recebia os primeiros presos sem sequer ter capacidade de fornecer água.
A escolha do primeiro diretor mostra o descaso com que foi administrada a unidade. Advogado e presidente de um clube de futebol amador, Carlos Martins era tão alheio ao cotidiano da criminalidade que no Natal daquele ano se vestiu de Papai Noel e distribuiu balas para os detentos. Virou motivo de chacota entre os criminosos de reprovação dos agentes penitenciários. A partir de 2006, começaram a surgir denúncias de agressões a presos, o que serviu para alimentar o discurso, e as ações, do PGC contra as autoridades.
Dízimo e agiotagem
A atuação e subsistência do Primeiro Grupo Catarinense estão no tráfico de drogas e de armas, em assaltos, furtos, resgate de presos, prostituição, execução de policiais, de agentes e de quem se opõe aos interesses do grupo. A mais nova prática ilegal pode ser definida como agiotagem, ou seja, juros sobre a mensalidade travestida de dízimo – a contribuição financeira de R$ 100 mensais por integrante. Os “irmãos” que estão na lista de devedores são obrigados a pagar R$ 2,50 ao dia – 75% de juros ao mês.
Do investimento feito pelo grupo é exigido retorno de 10% a 30%. Assim, se alguém assaltar com arma fornecida pelo PGC, deve repassar parte do valor ao grupo. O dinheiro vai para o caixa geral da facção e então é revertido em drogas, armas, pagamento de advogados, compra de alimentos, ajuda a familiares de presidiários e ao financiamento de atentados. Quem não honrá-lo, pode ser condenado à morte.
Parentes aliciados
Familiares de detentos também são ameaçados para se submeter à vontade dos líderes da facção – seja com contribuição financeira mensal, seja praticando crimes. Geralmente, o aliciamento é feito pelo preso, que busca em um parente, em especial adolescentes, que ele se alie e passe a praticar delitos para a organização.
Para entrar é preciso ter aprovação dos líderes. Nem sempre há unanimidade. A entrada de Fabrício da Rosa, por exemplo, foi aprovada por 98% dos detentos – outros 2% eram inimigos que o rejeitaram pela rivalidade. Fabrício é apontado como um dos gerentes do tráfico no Morro do Horácio, em Florianópolis. A ele, coube a missão de participar do assassinato da agente penitenciária Deise Alves, em 26 de outubro de 2012, conforme consta em denúncia do MP. A polícia tem listas com nomes de pretendentes ao ingresso, que ficam em observação pelo período de um a seis meses antes do batismo pelo PGC.
Ordens por SMS
O bombardeio de SMS rapidamente é difundido entre presos e comparsas nas ruas. São 22h8min de 30 de janeiro deste ano, uma quarta-feira. No teor da mensagem, o alvo investigado avisa que um líder do PGC “deu um salve geral para pegar o governo do Estado”. Salve geral, na gíria do crime, é a ordem para deflagrar os ataques.
Em seguida, o investigado repassa a mesma mensagem para outros nove celulares. O primeiro atentado leva menos de 30 minutos para ocorrer. Às 22h30min, em Balneário Camboriú, o motorista é obrigado a descer do ônibus. Dois homens, então, ateiam fogo ao coletivo. Começava ali a segunda onda de atentados em Santa Catarina, que se estenderia por pouco mais de um mês. Coletivos, viaturas, veículos de passeios, comércios, delegacias e postos policiais entraram na mira do esquema orquestrado pela facção PGC.

Facção planejava explodir ponte
Uma ameaça sem precedentes foi descoberta pela Polícia Civil em meio à onda de ataques, em fevereiro, ordenados de dentro da cadeia pela facção Primeiro Grupo Catarinense (PGC) – episódio que desafiou as autoridades de Santa Catarina e forçou a transferência de 40 presos para cadeias federais. A organização criminosa pretendia assaltar uma pedreira, roubar dinamites e explodir uma ponte ou uma torre.
O plano do atentado – revelado por um preso que foi ouvido em 7 de fevereiro por investigadores – integra o inquérito que soma mais de 4 mil páginas concluído ontem pela Polícia Civil. No total, 97 pessoas foram indiciadas pela série de 114 ataques de fevereiro. A polícia pediu que 21 pessoas que cumpriam prisão temporária sejam liberadas. A palavra final ficará com a 3ª Vara Criminal de Blumenau.
Aquele que seria um atentado emblemático não chegou a acontecer. Trancafiado há mais de 14 anos na penitenciária de São Pedro de Alcântara, o detento depôs sob a garantia de anonimato. Não se sabe ao certo qual seria o alvo da explosão. Policiais não descartam que fosse o principal cartão-postal de SC: a ponte Hercílio Luz, em Florianópolis.
Investigadores afirmam que o fácil acesso de assaltantes a explosivos e a frágil vigilância na Hercílio Luz são razões suficientes para crer que um episódio do tipo não seria improvável. A facção também tramou colocar explosivos em um shopping e roubar armas de um quartel do Exército – nenhum desses atentados ocorreu.