sábado, 10 de dezembro de 2016

PCC MANTINHA PLANO DE SAÚDE PARA A CÚPULA










COMENTÁRIO DO BENGOCHEA
- NUM ESTADO EM CRISE, SEM GOVERNO, SEM LEI E SEM JUSTIÇA, A MÁFIA SE ORGANIZA, SE FORTALECE, EMPREENDE E GARANTE SEGURANÇA AOS SEUS CAPOS E SOLDADOS. Quanto mais o Estado, através de seus poderes constituídos exercendo deveres e aplicando a força da lei e da justiça, demorar a agir, mais o crime se fortalecerá.


REVISTA ISTO É. Estadão Conteúdo 10.12.16 - 08h33

Plano de saúde do PCC tinha custos de R$ 400 mil/mês



O Primeiro Comando da Capital (PCC) mantinha um “plano de saúde” para os integrantes da sua cúpula ao custo de R$ 400 mil por mês, com direito a tratamentos e cirurgias com médicos especializados e até a massagistas. As informações integram a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE) à Justiça contra 40 advogados ligados à organização e 14 detentos do grupo por crimes de associação criminosa armada e corrupção, que podem levar a 20 anos de prisão.

A denúncia de 690 páginas, obtida pelo Estado, esmiúça o funcionamento da chamada célula R, um aperfeiçoamento da antiga “sintonia dos gravatas”, advogados que representavam integrantes da facção. Trocas de mensagens com organogramas e pagamentos foram interceptadas. Segundo o MPE, as funções do grupo deixaram de ser exclusivamente jurídicas e passaram a funcionar como elo de comunicação das atividades criminosas entre os líderes presos e os que estão em liberdade.

Os profissionais passaram também a ser os responsáveis por “organizar e custear serviços médicos prestados aos presos integrantes da cúpula. “É certo que o pagamento de todos esses serviços expostos é feito com recursos de origem ilícita da própria organização criminosa, obtidos com o lucro do narcotráfico e demais crimes afins”, descreve o documento.

A investigação mostrou que a facção chegou a financiar cerca de 100 cirurgias no ano passado a membros do grupo, um procedimento a cada três dias; os custos chegavam a R$ 400 mil por mês e incluíam exames particulares de especialistas como fisioterapeutas, dentistas, dermatologistas e até massagistas. O atendimento ocorria prioritariamente a detentos da Penitenciária de Presidente Venceslau 2 e da unidade de Presidente Bernardes, onde cumprem pena os líderes do PCC.

“São benefícios que só quem tem plano de saúde, um bom plano, pode usufruir”, disse o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo Especial de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), de Presidente Prudente.

Os investigadores suspeitam que os procedimentos médicos tenham sido superfaturados, com a cobrança do triplo do valor comum de mercado para consultas, por exemplo. As cirurgias, autorizadas pela Justiça, não tiveram nota fiscal emitida e há a suspeita de que a facção estivesse também lavando dinheiro por meio dos atendimentos. Somente um dos profissionais contratados chegou a receber mais de R$ 100 mil em um mês.

Operação

A investigação levou à deflagração da Operação Ethos, no dia 22 de novembro, e à prisão de 33 advogados e do agora ex-integrante do Conselho de Defesa de Direitos da Pessoa Humana (Condepe) Luiz Carlos dos Santos, também denunciado ontem. Nesta semana, 11 presos tiveram pedido de habeas corpus negado pelo Tribunal de Justiça.

Para o Ministério Público, os profissionais denunciados passaram a integrar o “quadro jurídico” do PCC e contribuíram e concorreram direta ou indiretamente “para o projeto de poder e esquema da maior organização criminosa do País”.

A investigação apontou que os profissionais tinham “plena consciência de que o dinheiro que movimentavam era oriundo do setor do ‘progresso’ (tráfico de drogas), da ‘cebola’ (mensalidade paga pelos integrantes) e das rifas” e usavam escritórios de fachada, que serviam “como ponto de apoio da organização”.

Entre os denunciados da cúpula da facção está Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, preso atualmente na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau. “Marcola e os demais integrantes da cúpula têm uma liderança sólida e sem oposição. Desde 2006, depois dos ataques, ele nunca mais deixou de liderar a facção criminosa”, disse o promotor Lincoln Gakiya.

Cartas interceptadas no âmbito do inquérito policial mostraram ainda a atuação da facção em demandas judiciais de presos detidos em Estados como Rio Grande do Norte, Brasília, Ceará, Paraná e Santa Catarina. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

domingo, 4 de dezembro de 2016

A GESTÃO EMPRESARIAL DO CRIME ORGANIZADO

 ENQUANTO O CRIME TEM PROJETO ESTRUTURAL, ESTATUTOS, LEIS DURAS, JUSTIÇA SUMÁRIA, LIGAÇÕES INTERNACIONAIS, ARMAS DE GUERRA, NEGÓCIOS BILIONÁRIOS, AGENTES EM CARGOS PÚBLICOS E DOMÍNIO DE COMUNIDADE E PRESÍDIOS PARA RECRUTAR E SE PROTEGER, o Estado tem poderes separados e corporativos, perdendo a confiança e a autoridade, sucateando a polícia que defende a sociedade, e fomentando leis, justiça, penas brandas e execução penal favorecendo os criminosos e a reincidência de crimes. Não é a toa que o povo brasileiro vive aterrorizado, sem direitos e a mercê da perda de vidas inocentes, pois o Estado alimenta o crime e governa para uma oligarquia sacrificando seu povo.

 



VEJA.COM - ESPECIAL




PCC S/A  -
A GESTÃO EMPRESARIAL DO CRIME ORGANIZADO



POR EDUARDO GONÇALVES



Na madrugada do dia 10 de março de 2016, um dirigente do PCC envia um e-mail para uma de suas subordinadas com o codinome Alexandre Magno. O título da mensagem: "Projeto Estrutural 2016". Entre os anexos, um organograma (confira abaixo) com linhas e setas mostrando cinco diretorias, três núcleos de coordenação e outras dezessete células. Em outro arquivo, a descrição de cada função. Por meio da quebra de sigilo telemático, o e-mail chegou às mãos da Polícia Civil de São Paulo, que se deparou com uma verdadeira estrutura empresarial dentro da facção criminosa. Nas palavras dos investigadores, uma "multinacional do crime" que produz relatórios mensais, faz auditorias e avaliações de desempenho, gerencia seguros para os presos e paga bonificações para premiar os funcionários mais produtivos.

Esse modelo de gestão veio à tona na Operação Ethos, deflagrada pela Polícia Civil e o Ministério Público de São Paulo há duas semanas, e foi detalhado em um relatório com mais de 1.160 páginas, obtido com exclusividade por VEJA. Por meio de planilhas, e-mails e cartas apanhadas dentro dos presídios, o inquérito mostra a rotina de um ano da chamada célula R (chamada antes de Sintonia das Gravatas), formada essencialmente por advogados. Na última semana, a Justiça de Presidente Venceslau (SP) deferiu a prisão preventiva de 54 alvos da Operação - cinco continuam foragidos. Entre os presos estão Marcos Herbas Camacho, o Marcola, e o vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Luiz Carlos dos Santos.

Apesar de ser sustentado pelo dinheiro do narcotráfico, a célula R não se ocupa do comércio de drogas ou da morte de desafetos. São advogados de Rua ou Recursistas (daí o R) que ficam à disposição da facção para resolver problemas cotidianos. Entre as principais funções estão pagar propina a autoridades corruptas, infiltrar-se em órgãos de direitos humanos e ser o canal de comunicação entre a liderança encarcerada e os subalternos soltos. Serviços que vão muito além de fazer a defesa jurídica dos criminosos.


O CEO do PCC


O desenvolvedor da célula R foi Valdeci Francisco Costa, um bacharel em direito e autor de livros autobiográficos que sempre se manteve longe dos holofotes – geralmente concentrados em Marcola. Após passar uma boa temporada (quase 10 anos) na Penitenciária II de Presidente Venceslau (SP), ganhou a liberdade em maio de 2015. E pisou no asfalto com uma missão — implementar uma "estrutura orgânica de feição empresarial" na facção, conforme o inquérito assinado pelo delegado Éverson Aparecido Contelli. Ele é o Alexandre Magno que mandou o e-mail citado acima. No organograma que ele mesmo fez, autodenominou-se "diretor-presidente". Na linha hierárquica, estava abaixo apenas do Conselho Deliberativo, constituído por Marcola e outros onze bandidos que tomam as decisões finais na quadrilha.

Assim como muitos integrantes, Costa atende por uma infinidade de apelidos. A maioria se refere à sua fama de “crânio” e religioso – Doutor, Notebook, Circuito Integrado, Abraão, José de Arimatéia e dr. Pedro. Numa mensagem interceptada pela polícia no Telegram, um advogado se refere a Costa como alguém "mil grau que não tem comparação o QI dele (sic)".

Apesar de a ter cumprido, sua missão durou pouco. Em junho deste ano, foi preso em uma operação do Gaeco de Campinas e hoje se encontra atrás das grades na Penitenciária de Avaré (SP). No seu lugar, entrou a advogada Juliana Queiroz (ver organograma abaixo), que também foi indiciada na Ethos, mas continua foragida da Justiça.
OS INTEGRANTES





Na ocasião em que foi detido, o núcleo jurídico do PCC colocou em prática o protocolo fantasma, um serviço de contrainteligência que prevê o descarte de todas as mídias e a troca dos codinomes utilizados. Costa havia criado uma estrutura de células que se autogeriam. Só casos extremos chegavam a ele e, mesmo assim, eram intermediados por duas gestoras, Marcela Antunes e Anna Marques. Quando alguém era pego, a célula se desfazia, impedindo que as autoridades chegassem no topo da rede.

Com a quebra do sigilo telemático das duas intermediárias, a polícia teve acesso a planilhas (ver abaixo) que mostravam a quem se referia cada codinome. Em uma delas, os Rs eram associados a modelos de carro. Exemplo: o R1 (Marcela) correspondia ao Volkswagen Gol. E o R2 (Anna) ao Fiat Palio.



Costa sempre teve a pretensão de constituir uma ONG. Teria sido dele a ideia de eleger dois "irmãos" no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), vinculado à Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo. O plano não deu certo e ele se viu obrigado a cooptar alguém de dentro da entidade. O escolhido foi Luiz Carlos dos Santos, que era vice-presidente, mas foi afastado do cargo após confessar que vinha recebendo uma "mesada" (de 5.000 reais) do PCC. Nas planilhas, o conselheiro aparece com o codinome “amigo da portuguesa”.

Em seu depoimento à polícia, Santos relatou que seu trabalho consistia em dar encaminhamento a denúncias formuladas por presos da facção, em sua maioria falsas. Costa lhe cobrava por resultados - e exigia que todas as informações fossem enviadas em relatórios semanais.

Em seus escritos, o diretor-presidente costuma se dizer arrependido do passado criminoso. Foi preso pela primeira vez em 2006, no ano em que o PCC se celebrizou por uma séria de ataques a forças policiais. Na época, era apontado como o encarregado das arrecadações do PCC no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, Sorocaba, Ribeirão Preto, Marília e Bauru.

"As pessoas não são más, só estão perdidas. E virar as costas ou vingar-se não é a resposta. Na busca de uma solução para o problema da criminalidade, creio que uma visão pode ser substituir a vingança. Estou convencido de que há muito de estreito negativo e errado na atitude da sociedade. Em apenas punir alguém que frequentemente está em guerra consigo mesmo. Infelizmente, a tradição tem efeito de algemar o progresso", escreveu ele no livro de sua autoria chamado Rábula. A polícia apura se a editora que publicou as obras pertence a ele.

Em depoimento à Polícia Civil, Costa negou fazer parte dos quadros do PCC – o mesmo fizeram notáveis integrantes da facção, como Marcola, Antônio José Muller Júnior, o Granada, e Paulo Cesar Souza Nascimento Junior, o Neblina.

O RH, o SAP e os planos de expansão

Desde que foi criado, no início dos anos 90, sabe-se que o PCC mantém um estatuto com regras de comportamento a serem seguidas dentro e fora da cadeia. Na operação Ethos, os investigadores descobriram que a quadrilha também tem um sistema de bonificação e aumento gradual de salário para os integrantes da célula R como recompensa pelo “bom trabalho desenvolvido" — quase como um plano de carreira. As diretrizes foram encontradas em uma carta manuscrita e digitalizada (confira abaixo) com o título "Conjunto de Medidas Disciplinares”. Os bônus são pagos em quantias de 1.000 reais.



O texto também institui um sistema de advertências a quem cometer "faltas graves", como não responder telefonemas e e-mails, não entregar relatórios ou "não cumprir tarefas determinadas e pedidos variados feitos pelas gestoras associadas". As punições são definidas por cores: verde ("só um puxão de orelha"); amarelo (“aviso para redobrar a atenção”) e vermelho ("cobrança verbal dura e redução de honorários"). Cada cor definia um prazo de reabilitação de 6 meses, 8 meses e um ano, respectivamente.

Segundo as investigações, os advogados recebiam em torno de 1 milhão de reais por mês e não trabalhavam para clientes específicos, mas para a facção como um todo. Um e-mail recebido por Costa - e anexado ao inquérito – orienta-o a providenciar um R (advogado) para ajudar o guerrilheiro Mauricio Hernandez Norambuena, que cumpre pena pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto em 2002. A proximidade entre Norambuena e o PCC vem de longa data. Foi ele quem ensinou táticas de terrorismo às lideranças da quadrilha, quando estava preso em Presidente Bernardes (SP), em 2006. "Nessa relação não há qualquer tipo de vínculo advogado cliente, mas sim uma relação entre advogado e organização criminosa, que recebe dinheiro proveniente do narcotráfico para atender a pessoas vinculadas ou colaboradoras da organização criminosa", diz o inquérito.

A implantação dos bloqueadores de celular nos presídios paulistas obrigou a cúpula do PCC a encontrar novas formas de comunicação com o "mundo externo". Uma delas era usar os advogados da célula R, que por meio da carteira da OAB tinham acesso fácil aos presídios e ainda contavam com o sigilo garantido à profissão. A polícia chegou a monitorar um desses momentos. Numa mensagem, um detento transmite ordens a uma das gestoras dos Rs, Anna Marques, para que levante informações sobre agentes penitenciários de Cornélio Procópio, no Paraná. O recado é datado de 17 de novembro de 2016. A suspeita é que os dados seriam usados para uma eventual execução ou para fazer ameaças. "O evento instruiu relatório de inteligência para adoção de cautelas necessárias para preservação da vida desses agentes", diz o inquérito.



Os advogados R também tinham o papel de atender às demandas dos chefões da facção e de seus familiares. Em especial, marcavam consultas médicas e procedimentos cirúrgicos para eles. Em depoimento à Polícia, o próprio Marcola diz que contatou a advogada Simone, um dos alvos da Ethos, para arranjar um médico que lhe operasse o ombro - o procedimento teria custado 27.000 reais.

Com as células em ação e organizadas, o PCC começou a pensar longe. Um dos planos era protocolar uma série de denúncias de abusos na cadeia, a maioria sem fundamento, na Organização das Nações Unidas (ONU). A finalidade era conseguir benefícios no sistema penitenciário e o fechamento do presídio de Presidente Bernardes (SP), onde os presos ficam isolados no Regime Displicinar Diferenciado (RDD). O ex-conselheiro do Condepe, Luiz Carlos dos Santos, confirmou em seu depoimento o “projeto internacional” do PCC. “Estava em curso o plano que poderia constituir, na prática, uma grande denunciação caluniosa internacional, em evidente prejuízo político e econômico ao Estado brasileiro”, diz o inquérito.

Os próximos passos da Operação Ethos se concentrarão em detectar se o PCC conseguiu replicar o modelo de gestão em células de outros Estados. Há indícios de que o mesmo esquema foi implementado em Santa Catarina e Mato Grosso. "O know how obtido pela célula “R” no Estado de São Paulo fez com que o Conselho Deliberativo [a facção] passasse a exportar esse modo de agir para outros Estados da federação, principalmente naqueles Estados sedes de presídios federais”, conclui o delegado Contelli, no texto.

domingo, 16 de outubro de 2016

O CARTEL DO TRAFICO E DAS PRISÕES

 arte-pcc

REVISTA VEJA Edição 2498 DE 05 DE OUTUBRO DE 2016


LEONARDO COUTINHO



Se fosse uma empresa, a organização criminosa estaria hoje entre as vinte maiores do país

Taubaté, interior de São Paulo, 31 de agosto de 1993. Entre uma partida de futebol e outra, no pátio da Casa de Custódia, um grupo de nove detentos — Antônio Carlos dos Santos, Antonio Carlos Roberto da Paixão, Isaías Moreira do Nascimento, Ademar dos Santos, César Augusto Roris da Silva, Idemir Carlos Ambrósio, Misael Aparecido da Silva, Wander Eduardo Ferreira e José Márcio Felício — discute a criação de uma confraria de presos, com um objetivo claro: evitar uma repetição do massacre do Carandiru, ocorrido menos de um ano antes. Os nove fundadores do que viria a se chamar Primeiro Comando da Capital (PCC) estavam convencidos de que, ao submeterem os criminosos a uma hierarquia dentro da cadeia, poderiam evitar brigas internas como a que serviu de estopim para a rebelião no Carandiru e, ao mesmo tempo, ter força para extrair concessões do Estado. Os primeiros protegidos do PCC eram conquistados na marra. Ou pagavam, ou eram mortos ou espancados. Não demorou para os presos entenderem que pertencer ao grupo representava uma elevação de status no mundo do crime. Por não ter surgido em uma favela, bairro ou cidade, o PCC nunca foi uma organização local. Já no embrião apresentou uma capilaridade singular, que lhe permitiu alastrar-se rapidamente por São Paulo e depois para os estados que estão cravados na rota do tráfico da cocaína vinda da Bolívia e do Paraguai.

Pedro Juan Caballero, Paraguai, 15 de junho de 2016. As imagens das câmeras de segurança de uma farmácia na Rua 14 de Mayo registram 18h44. A 70 metros dali, dezenas de fiéis rezam na Paróquia de São Geraldo. Na calçada oposta, jovens frequentam as aulas de uma escola local. Um anoitecer típico dos moradores da cidade, que faz fronteira com o Brasil, em Mato Grosso do Sul. Naquele horário exato, porém, o motorista de uma Toyota Hilux branca para no cruzamento em frente à farmácia e, sorrateiramente, espera até ser alcançado por um Hummer blindado que vem escoltado por três caminhonetes com capangas armados com fuzis e pistolas automáticas. Em seguida, a Hilux acelera. A porta traseira se abre e revela uma metralhadora antiaérea. Uma rajada de balas ilumina a rua e atinge o para-brisa do Hummer. Em seu interior está o brasileiro de origem libanesa Jorge Rafaat. Uma nova sequência de disparos atravessa o vidro blindado do veículo, matando Rafaat. Conhecido como o Rei da Fronteira, ele era o último empecilho para que a organização criminosa PCC alcançasse a hegemonia do tráfico de drogas e armas a partir do Paraguai. “Tirar Rafaat do caminho era o que faltava para o PCC se tornar o primeiro cartel internacional de drogas com sede no Brasil”, diz o procurador de Justiça Márcio Christino, do Ministério Público de São Paulo, um especialista na história e no funcionamento do PCC. “Esse cartel já tem um nome, dado pelos próprios criminosos: Narcossul.”

Em pouco mais de duas décadas, enquanto a Justiça paulista fracassava em punir os responsáveis pela matança de 111 presos desarmados no Carandiru, o PCC deixou de ser apenas uma quadrilha que vende proteção a detentos e consolidou-se como a maior e mais poderosa organização criminosa da história do Brasil. Eis o resultado que o Brasil colheu ao executar presos — coisa que os adversários dos direitos humanos acham que é uma cândida solução — e manter policiais criminosos impunes.

Se fosse uma empresa, o PCC seria hoje a décima sexta maior do país, à frente de gigantes como a montadora Volkswagen. Trata-se de um império corporativo em que os produtos são as drogas ilícitas. Os clientes são dependentes químicos. Os fornecedores são criminosos paraguaios, bolivianos e colombianos. Os métodos são o assassinato, a extorsão, a propina e a lavagem de dinheiro. As áreas de diversificação são os assaltos a banco, o roubo de cargas e o tráfico de armas. A meta, coerente com as exigências da globalização, é internacionalizar-se, e para chegar lá os líderes do PCC estão selando alianças com quadrilhas africanas e terroristas do Oriente Médio.

O PCC recorre ao tráfico de drogas desde sua fundação. O que no início era apenas uma forma de multiplicar as receitas obtidas com a venda de proteção nas cadeias tornou-se, com o tempo, sua atividade central — o core business, para usar um anglicismo do mundo empresarial. Hoje, a organização controla mais da metade do comércio de entorpecentes no país. A reportagem de VEJA consultou mais de uma dezena de especialistas e policiais no Brasil e em outros seis países para dimensionar a capacidade financeira do PCC. Conclusão: apenas com a venda de drogas para consumo no território nacional, a organização alcança um faturamento anual da ordem de 20,3 bilhões de reais, sem incluir as receitas com roubo de carga e assalto a banco. Em 2015, cerca de 3 000 caixas eletrônicos foram explodidos no país. Suspeita-se que o PCC esteja por trás de pelo menos um terço dos ataques.

A fortuna que passa pelas mãos dos narcotraficantes do PCC é pulverizada. Ela é usada para pagar propina a policiais, juízes e políticos, patrocinar execuções e remunerar os milhares de “trabalhadores” envolvidos na operação. Parte significativa é despendida nas operações de lavagem de dinheiro, que obrigam os criminosos a corroer seu capital para esconder a origem ilícita dos recursos por meio de empresas de fachada. Os custos podem ser altos, mas a margem de lucro do tráfico é imbatível. A diferença de preço entre 1 quilo de pasta-base na Bolívia e 1 quilo de cocaína no Brasil é de 1 500%.

Não espanta que os chefões do tráfico exibam uma vida de fausto. No início do ano, a Polícia Federal prendeu em Fortaleza um dos comandantes do PCC, Alejandro Camacho, irmão caçula do líder da organização, Marcos Camacho, o Marcola, que desde 199 cumpre pena de 232 anos no presídio de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, pelo crimes de assalto, roubo a banco, formação de quadrilha, tráfico de drogas e homicídios. Marcola assumiu a chefia do PCC em 2002, depois do assassinato na cadeia de um dos fundadores da organização, Idemor Carlos Ambrósio, a mando de outros dois comparsas que discordavam de seu métodos de extorsão. "Playboy", como é chamado Marcola, foi quem transformou uma simples quadrilha em uma corporação criminosa.